Anos atrás, eu estava em Jerusalém para um encontro de escritores, às vésperas de uma eleição decisiva que opunha o atual premiê, Benjamin Netanyahu, ao trabalhista Shimon Peres, cuja plataforma pacifista incluía uma confederação dos países da região. Proposta, aliás, que tinha o apoio dos israelenses: Peres era o franco favorito.
Uma manhã, acordei com o ensurdecedor som de sirenes. Liguei a TV: tinha havido um atentado a bomba contra um ônibus, deixando dezenas de vítimas. Corri até lá, mas quando cheguei só restava a carcaça queimada do veículo, ao redor do qual estava uma silenciosa multidão. Nos rostos das pessoas era visível a raiva e a revolta. Na eleição, não deu outra: Peres perdeu. Os terroristas tinham conseguido seu objetivo: um governo linha-dura, precondição para perpetuar o conflito e justificar atentados.
Tempos depois, voltamos a Israel e aí, uma manhã, tomamos café com Shimon Peres, àquela altura meio marginalizado na política. Perguntei-lhe a que atribuía esse fato. Ele poderia, obviamente, culpar os terroristas, os direitistas. Não o fez. Segundo ele, o trabalhismo tinha se afastado de seus ideais igualitários, representados pelo kibutz, a colônia coletiva que agora dá lugar aos assentamentos, boa parte dos quais povoados por fanáticos (“Esta é a terra que Deus nos deu, os palestinos têm de sair daqui”, disse uma dessas pessoas ao programa Sixty Minutes, da TV americana). Mas, depois, Peres tornou-se presidente de Israel, e é nesta condição que agora nos visita. Como acontece nos regimes parlamentaristas, o cargo é principalmente simbólico, mas isto não diminui a importância da liderança moral de Peres. Sua firmeza ficou evidente nas entrevistas que deu, uma das quais apareceu em O Globo de sábado. O repórter perguntou o que ele achava do Brasil como intermediário em negociações com o Irã. Resposta de Peres: “Se alguém pode oferecer ao mundo uma ponte, por que não? Os iranianos não são nossos inimigos. Tampouco os árabes ou os muçulmanos. Nossos inimigos são a guerra, as ameaças, o terror, a destruição. Estamos apenas defendendo nossas vidas. Sobre o presidente do Irã, todos sabem quem é e quais as suas posições. Não vou ditar opiniões ao governo brasileiro”. E, aí, uma resposta que me lembrou aquela conversa no café da manhã. Perguntado se culpava a mídia pela eventual má imagem de Israel, disse Peres: “A única pessoa que posso culpar é a mim próprio. Não sou um sacerdote ou o mestre do mundo. Faço o máximo para continuar leal a nossos valores e virtudes”. Grande Peres. Ele á a voz da coerência.
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Falando em judaísmo, nesta quarta, às 19h30min, será exibido na Federação Israelita do Rio Grande do Sul (João Teles, 329, em pleno Bom Fim) o belo documentário Novos Lares, Judeus em Nilópolis, contando a pitoresca história de uma comunidade de imigrantes na cidade da Baixada Fluminense que é o reduto da Escola de Samba Beija-Flor. O evento, promovido pela Federação Israelita e Na’Amat Pioneiras do Rio Grande do Sul, contará com a presença do diretor do filme, Radamés Vieira, e do produtor André Sztajn.
Zero Hora (RS), 10/11/2009