O Dia da Consciência Negra
Comemora-se aqui no Rio - hoje, 20 de novembro, dia em que escrevo estas linhas - um feriado em homenagem a Zumbi dos Palmares, feriado que se passou a chamar, Dia da Consciência Negra.
Comemora-se aqui no Rio - hoje, 20 de novembro, dia em que escrevo estas linhas - um feriado em homenagem a Zumbi dos Palmares, feriado que se passou a chamar, Dia da Consciência Negra.
Flor tem moda como roupa de mulher. E as plantas do tempo antigo, flores, folhagens e ervas de cheiro, ninguém as cultiva mais. Agora são só aqueles estúpidos fícus italianos que parecem feitos de plástico, os antúrios e até tulipas.
Engraçado, a gente. Do que tem medo, escarnece e põe nome feio. Morte, por exemplo. Verdade que a própria palavra morte, não sendo bela, tem, contudo a sua dignidade; tanto ela como as que dependem do seu radical: morto, mortal, mortalidade. Porém, todos os demais vocábulos que com a morte se relacionem, quando não são o simplesmente horrível, são ligeira ou pesadamente sobre o grotesco. Defunto, cemitério, cadáver, esqueleto, caveira, cova, sepultura, múmia, embalsamar, velório, funeral, moribundo, ossuário, verme, formol, fantasma, necrotério, viúvo e a mais repugnante de todas: papa-defunto. E não adianta apelar para as formas eruditas, porque ainda fica pior: necrópole, sarcófago, inumar, exumar, necrológio, exéquias, parca, féretro.
Diz que índio não educa filho. Aliás, não é propriamente isso: o que se conta é que índio não disciplina as crianças, não as castiga. Curumim é um bicho livre, faz o quer, com muito poucas restrições. Os pais são os mais condescendentes do mundo e muito carinhosos. Apenas quando uma criança, por acaso, faz qualquer coisa que irrite ou incomode pai ou mãe, o pai encolerizado passa a mão no primeiro objeto contundente que tiver próximo e o atira contra o filho. Uma pedra, um pau, uma mão de pilão, e até mesmo um facão. Se não pegar, muito bem, se pegar, azar do menino.
É dizer como o outro: já que o homem não vai ao livro, que vá o livro ao homem. Multipliquem-se as feiras de livros pelas praças da cidade, e não só desta, como de todas as cidades do interior. Ah, o interior! As livrarias são poucas, a distribuição das editoras não é boa. Nunca se pisa em cidade do interior sem escutar dos interessados a queixa de que livro de fulano, que está muito falado, não apareceu à venda na terra. Talvez fosse um êxito inesperado a inauguração de feiras de livros por este Brasil afora: o pessoal ver os livros assim de cara como a farinha e os legumes. Poder mexer, palpar, olhar as figuras, se interessar. Seria talvez uma revolução.
Nestas últimas décadas, um dos fatos sociais mais importantes é a saída da mulher do seu casulo doméstico e a sua entrada, quase em massa, nas profissões e atividades dantes reservadas ao homem. Tivemos agora a prova disso com a espetacular vitória das mulheres nas recentes eleições, em muitos casos com maioria esmagadora sobre os seus adversários - homens. E aquelas que ainda não tiveram a sua oportunidade - a sua hora e sua vez, como diria mestre Rosa - ficam num desespero de "aparecer", de "vencer", de "ser alguém".
Sempre que eleições se aproximam, nos últimos anos, tanto daqui como de outras colunas que lhe são franqueadas, esta humilde cronista adverte os seus patrícios a respeito do direito e da obrigação de votar.
Se me pedissem uma definição do voto, eu diria que o voto é o selo da cidadania; ou que é o atestado do cidadão. Então, como é que se concilia a idéia de dar um diploma de cidadão ao jovem que completa 16 anos, quando esse mesmo jovem se mantém na condição de irresponsável perante a lei, sob a alegação de que até aos 18 anos ele ainda é menor - ou "de menor", como diz o povo? Se o jovem cidadão ou (cidadã) tem discernimento suficiente para votar no presidente da República, como não o terá para distinguir o bem do mal, o crime da inocência - que são conceitos muito menos complexos do que as avaliações políticas que levam ao voto consciente? Criancinha ainda, antes mesmo de saber o que é um presidente, um governador, um deputado - essa criança já sabe que é proibido roubar, ferir os outros, e, acima de tudo, matar. Então, depois da onda ecológica, as crianças cedo aprendem a respeitar a vida, até a dos bichos - ou principalmente dos bichos. Quanto mais a vida das pessoas.
Esse caso passou-se, faz tempo, pouco depois de nos mudarmos para o Leblon, que era ainda um bairro amorável e tranqüilo, sem grades nos edifícios - aliás, poucos edifícios e ainda muitas casas com jardim e quintal. Hoje, não sei se foi o Leblon que mudou, mas quanto a mim, sei que mudei muito, quase não saio de casa e, em sã consciência, não posso dizer se é melhor agora ou era melhor então.
Essas moças e moços - quase sempre muito jovens -, que de vez em quando aparecem para me entrevistar, perguntam sempre - quase sem exceção - como foi que comecei a escrever. Esperam que eu diga o momento exato em que me apareceu a vocação, se foi de dia ou de noite, se comecei a escrever o livro, direto, e fui até o ponto final, e por aí vai. Perguntam muito também sobre a minha vida, o que aconteceu, e depois, e depois, e depois... Tento explicar, na medida do possível, que a vida da gente não é uma seqüência, como numa história em quadrinhos, em que um fato acontecido num quadro tem a sua lógica no quadro seguinte; e que a nossa memória também não é uma coisa contínua, uma lembrança sucedendo a outra. Eles ficam meio decepcionados, mas procuro satisfazê-los contando alguma coisa da minha vida. Pelo menos os pedaços de que me lembro.
Já se vão dez anos daquela reunião ecológica, codinome Eco-92, que nos deixou tão vaidosos com a cara limpa e florida do Rio. É verdade que precisou botar canhões do Exército apontando para a favela da Rocinha. Mas como mudou a Rocinha! Hoje já tem a categoria de bairro, um bairro operoso e próspero, que até já exporta moda e modelos para o exterior.
Afinal, se me dão licença, quem passa dos 90 direito a algum saudosismo. É que, olhando o mar, lembrei dos bons tempos dos navios, quando só se viajava pelas costas do Brasil nos Itas (os decantados Itas do Norte) e também os menos charmosos navios do Loide. Companhia Nacional de Navegação Costeira, chamavam-se oficialmente os Itas. E recebiam todos os barcos da frota esse nome de Ita porque o dono da Companhia se chamava Laje, e laje é pedra, e pedra em tupi é ita. Tinha esse magnata Laje outro motivo de celebridade:
Eu nunca me meti nesse assunto de distribuição de terras, porque imagino que cada caso é um caso, ou, pelo menos, que cada região é uma região. No meu tipo de Nordeste (o Sertão Central do Ceará) não temos ou, então, não tínhamos (agora é assunto nacional) o problema do lavrador que não consegue terra para plantar. Lá as culturas são pequenas; ainda havia alguma fartura nos tempos em que se plantava algodão.
Todo mundo sabe: já não se namora mais como antigamente. Se a palavra é a mesma, o sentido é outro. Dantes era todo aquele ritual cortês - primeiro os olhares que se encontravam de longe, começando intermitente e furtivo, ia depois ficando mais fixo (na minha longínqua infância esses olhares se chamavam "tirar linha", - lembrai-vos anciãs contemporâneas?) Do olhar se passava ao sorriso, em manobras que poderiam levar horas e até dias consecutivos. Depois era tentar um encontro: passar perto, olhar sem falar, pois a moça quase nunca andava só. Após um infinito de tempo, chegava-se então à abordagem. Por exemplo, o rapaz subia ao estribo do bonde, pedia licença para sentar no banco em que ela vinha. Licença dada, ele enxugava a testa e fazia a declaração. Aceito o dito de amor, começa propriamente o namoro.
A moça, estudante de letras, me perguntou o que eu achava da avassaladora invasão de neologismos no nosso idioma. Bem, acho que da nova linguagem que acompanhou e acompanha a era dos computadores, é muito difícil escapar. Ninguém vai ficar inventando traduções para coisas que não fomos nós que inventamos e a maioridade nós mal sabemos do que se trata. Deletar, por exemplo, não tem um sentido muito mais amplo do que simplesmente apagar? Mas não quero me arvorar nessa discussão de filólogos, mormente que não me entendo com computador. Aliás, fora esses, que vêm no bojo das novas tecnologias, neologismos, principalmente os de gíria, têm quase sempre nascimento humilde. As pessoas mais cultas, ou escutam as palavras difíceis na sua própria casa ou as consultam nos dicionários. O ignorante comum tem seu próprio dicionário na cabeça, restrito, é verdade, muito faltoso na conjugação dos verbos, mas dono de um toque pessoal iniludível.