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Artigos

  • O que já foi um peito

    O Globo, em 27/11/2011

    No domingo passado, eu disse que ia tratar de peitos e acabei mal tocando (deixem de ser maliciosos) no assunto. Fui falar no ministro que, pelo visto, ia instituir o tratamento de "meu querido" e "minha querida" em reuniões ministeriais, para não falar na temível mas não improvável hipótese de que se dirigisse a uma colega, ou à própria presidente, como "minha filha", e aí tive nervosismo cívico e abandonei os peitos. Hoje, já um pouco desmotivado, mas sem querer deixar de cumprir a promessa (ou ameaça), vou aos peitos.

  • Qual é essa de “eu te amo”?

    O Globo, em 20/11/2011

    Certos escritores, como eu e alguns amigos meus, têm dificuldade em planejar o que produzirão. Podem escolher assunto, fazer esquemas ou até diagramas, mas frequentemente um outro assunto se intromete onde não foi chamado, ou um personagem resolve adquirir autonomia e caprichos: o autor quer casá-lo, ele não casa, quer que ele morra e ele não morre e assim por diante. O resultado acaba por ser uma surpresa para o próprio escritor. Hoje mesmo está sendo assim. O título aí em cima não tem nada a ver como que eu pretendia (e ainda pretendo, se não houver outros percalços) abordar hoje, mas foi digitado quase em piloto automático. Quando dei por mim, já estava ele aí.

  • Nós compreendemos

    O Globo, em 13/11/2011

    Tive políticos próximos na família. Hoje em dia, para muitos brasileiros, dizer isso é pior do que se confessar descendente direto e admirador dos vendilhões expulsos do templo por Jesus Cristo. Mas acho que meu caso não é típico. Meu pai, que foi deputado estadual em Sergipe e vereador em Salvador, além de diversas vezes titular de secretarias estaduais ou municipais, tinha vocação de político, mas lhe faltava o talento para isso. Apesar de muito culto e bom orador, jejuava na arte e na matreirice necessárias ao político. E morreu depois de penar durante anos a construção de sua única casa, deixando somente a dita casa e uma pensão para a viúva. Portanto, não deve ter roubado e estou convicto disso, embora não possa dizer que ele tenha sido cem por cento infenso a mordomias, porque me lembro da gente passeando de carro oficial em Aracaju – e de nada mais, nesse departamento.

  • Defendendo a pátria

    O Globo, em 30/10/2011

    Não posso negar minha condição de veterano, em matéria de defender as cores do Brasil no estrangeiro. Aliás, pensando bem, não posso negar minha condição de veterano em nada e, se a literatura fosse escola de samba, eu com certeza já estaria integrando a velha guarda. Comecei minhas viagens bem cedo e desde então sou muito requisitado. Não sei bem a razão. Uma vez, há muito tempo, num coquetel em Toronto, estava conversando com o escritor Márcio Souza, então meu companheiro constante de delegação, quando fizemos uma pausa e olhamos em torno.

  • O crime compensa

    O Globo, em 23/10/2011

    Distinto leitor, encantadora leitora, ponham-se na pele de quem tem de escrever toda semana. Não me refiro à obrigação de produzir um texto periodicamente, sem falhar. Às vezes, como tudo na vida, é um pouquinho chato, mas quem tem experiência tira isso de letra, há truques e macetes aprendidos informalmente ao longo dos anos e o macaco velho não se aperta. O chato mesmo, na minha opinião, é o "gancho", o pé que o texto tem de manter na realidade que o circunda. Claro, nada impede que se escreva algo inteiramente fantasioso ou delirante, mas o habitual é que o artigo ou crônica seja suscitado pelo cotidiano, alguma coisa que esteja acontecendo ou despertando interesse.

  • Novos horizontes ideológicos

    O Globo, em 16/10/2011

    Fez-se atento silêncio no bar de Espanha, quando Zecamunista, que havia levado algum tempo sem aparecer, chegou e anunciou que estava criando o IPCA. Passara muito tempo lendo e meditando sobre a realidade nacional e chegara à conclusão de que era necessário encará-la sob nova perspectiva, despir-se dos vícios intelectuais antigos e abrir novos horizontes ideológicos. Nossos problemas precisavam de soluções originais e ele agora tinha a convicção de que o IPCA seria um dos pontos principais dessa nova abordagem. Se o exemplo da ilha fosse seguido em todo o Brasil, o IPCA poderia ser a chave para uma nova era de paz e prosperidade. Abrir-se-iam oportunidades para todos e se formulariam claramente as bases ideológicas que hoje já mais ou menos norteiam as ações dos nossos governantes. E ele não só tinha redigido o ato de constituição do IPCA como havia marcado uma assembleia fundadora, a realizar-se com a presença de representantes de todos os municípios do Recôncavo.

  • Viver corretamente

    O Globo, em 26/12/2010

    Não sei bem a que se pode atribuir a crescente moda de intervir na vida pessoal do cidadão brasileiro. Inclino-me a acreditar que isso se deve à falta do que fazer de um número cada vez maior de burocratas e tecnocratas. Todos eles detêm certezas sobre tudo o que julgam ser de sua alçada. Em matérias “técnicas”, não há espaço para posições divergentes. Afinal, a técnica provém da ciência e a ciência fornece certezas. E essas certezas são tão poderosas que devem sobrepor-se até mesmo aos valores de indivíduos ou coletividades. O conceito de normalidade, tão enganoso não só científica como filosoficamente, parece para elas assente e inequívoco.

  • A ilha na vanguarda genética

    O Globo, em 19/12/2010

    Não lembro se já tive a oportunidade de mencionar aqui determinados fenômenos, no campo da sexualidade e da reprodução, restritos, pelo que se sabe, à ilha de Itaparica. Devo ter dito alguma coisa, mas é tema sempre merecedor de atenção. Por exemplo, uma visita ao Mercado Municipal Santa Luzia, movimentado centro do comércio local, poderá, se bem conduzida, render preciosas informações sobre como certos criadores de galos de briga do Alto das Pombas e da Misericórdia, depois de afincadas tentativas, cruzaram galinhas de briga com urubus, obtendo linhagens excepcionais. Nunca consegui ver um desses híbridos, mas não vou duvidar da palavra de meus conterrâneos.

  • Ainda a guerra sem fim

    O Estado de São Paulo, em 12/12/2010

    Na semana passada, quando falei nos participantes do mercado de drogas, houve quem observasse que quase deixei de lado o consumidor, tido corretamente como o principal elemento, pois sem ele não haveria nem produção nem comércio. É ele a razão de ser do mercado. Ou seja, acabar com a demanda acabaria com a oferta. Certo, certíssimo, mas quem acaba com a demanda? Esse tipo de conversa termina parecendo, para algumas pessoas, que é uma defesa do consumo, mas não é. É uma constatação, tão despida de valores quanto possível. Não digo nem, o que é verdade sob outros ângulos, que sou contra o consumo. Aqui, agora, pretendo somente vê-lo.

  • A culpa é do governo

    O Estado de São Paulo, em 29/11/2010

    A gente se acostuma a tudo. Os biólogos dizem que a repetição do estímulo inibe a resposta. Provocar continuadamente uma reação no organismo ou na mente acaba não surtindo mais efeito. Pode-se fazer uma analogia com a nossa desaparecida indignação, que, de tão cutucada, já não se manifesta e, em alguns de nós, parece ter-se convertido em resignação e cinismo amargo. É isso mesmo, os políticos são ladrões, os administradores são incompetentes, os serviços públicos são abomináveis, a educação é um desastre, a saúde é uma calamidade e a insegurança é geral - acabou-se, nada a fazer, o Brasil é assim mesmo. É triste ver a amada cidade do Rio de Janeiro, orgulho de todos nós, transfigurada numa Bagdá à beira-mar, carros blindados conduzindo tropas de assalto e armamento pesado, soldados de fuzil em punho se esgueirando em ruelas, como víamos somente em filmes de guerra. Entre metralhadoras, granadas, carros e ônibus em chamas, repórteres usando coletes à prova de balas e gente espavorida, é como assistir à cobertura da Guerra do Golfo. Isto é, enquanto uma bala não estilhaçar o televisor, caso em que teremos também recebido, como tantos outros concidadãos, nosso batismo de fogo.

  • Nada a esconder

    O Globo, em 28/11/2010

    “Privacidade” é uma palavra recente na língua portuguesa. Quem a procurar num dicionário velho, aí de seus 30 ou 40 anos para cima, não vai encontrá-la. Antigamente se usava “intimidade”, que, na minha opinião, quebrou bem o galho durante muito tempo. Não obstante, do mesmo jeito que muitas outras palavras nossas, “intimidade” teve todos os seus anos de bons serviços ignorados e foi amplamente substituída, via Estados Unidos, por uma inglesa de som e uso considerados chiques, como ocorre entre nós em relação a qualquer coisa em inglês. “Privacidade”, aportuguesamento de “privacy”, já foi naturalizada e correm bem longe os tempos em que seria xingada de anglicismo e, se usada numa prova escrita, baixaria a nota. A bem da verdade, ela não deixa de comportar-se como uma boa cidadã brasileira e talvez mereça a popularidade que obteve, talvez nós estivéssemos precisando dela mesmo.

  • Seremos todos felizes

    O Estado de São Paulo, em 21/11/2010

    Pelo menos no meu caso, a leitura dos jornais vem provocando uma leve tontura, por vezes não tão leve assim. Estou seguro de que os governantes eleitos não pensam em outra coisa que não o bem-estar da coletividade, pois haverá de ter sido esse ideal o que os moveu a candidatar-se, enfrentando a canseira, o estresse e a despesa de uma campanha, para depois padecer sob a rotina estafante e ingrata da vida pública. Sabemos que, até neste talvez enganosamente sereno domingo, estão ocorrendo reuniões pressurosas em todos os cantos do País, buscando o que fazer para começar desde já a trabalhar pelo bem comum. Também sabemos que os eleitos estão agora mesmo se debruçando com afinco sobre diagnósticos, estudos e planos para a solução dos problemas nacionais, querem trabalhar, querem fazer por nós tudo o que prometeram e mais alguma coisa.

  • A República, filosoficamente

    O Globo, em 14/11/2010

    Há quem sustente que, em janeiro de 1890, Itaparica ainda não tinha certeza de que a República fora proclamada no ano anterior, notadamente o filósofo e tribuno Nabucodonosor Pontes Ferrão, autor de valente discurso intitulado “Onde se encafurna ela, que não aparece?”. Com essa alocução, pronunciada no Largo da Quitanda, em arroubado improviso ornado de lindas ordens inversas, e tida por alguns como apócrifa, mas não obstante ainda venerada como peça de estilo e civismo, o orador, segundo se diz, chegou a convencer grande parte de seus concidadãos de que a República não existia, era uma invencionice de poetas, desocupados e loroteiros.

  • Votando hoje

    O Globo, em 31/10/2010

    Minha primeira lembrança política é de um comício comunista, em noite muito remota, na Praça Pinheiro Machado, em Aracaju. Nossa casa ficava na praça e meu pai resolveu que ia dar uma espiada e me levar com ele. Não lembro oradores, só lembro uma aglomeração de silhuetas agitadas, em frente do palanque armado sobre o coreto. Ficamos pouco tempo, mas me impressionei com o coro dos participantes, repetindo o que para mim soou como “luí-cálu-pré!”, “luí-cálu-pré!”, “luí-cálu-pré!”. Apesar do medo de que ele me remetesse ao dicionário e, a depender da veneta, me mandasse copiar o verbete com boa letra, perguntei o que queria dizer aquilo.

  • A campanha eleitoral na ilha

    O Globo, em 24/10/2010

    Em Itaparica, não se pode dizer que o clima político está muito animado. O itaparicano, como sempre, permanece atento ao panorama nacional, mas os outrora inflamados debates que ocorriam no bar de Espanha deram lugar a considerações de outra ordem. O dr. Serra ficou em terceirão nos dois municípios que compõem a ilha, mas ninguém comenta muito o fato, pois, como observou Xepa, não convém tripudiar, ainda mais que tem segundo turno e nunca se sabe o que pode acontecer, tudo neste mundo é possível. De repente o homem se elege e aí vem tomar satisfações, já basta ele ter levado essa surra no primeiro turno, vamos respeitar a cabeça inchada alheia.