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Artigos

  • A noiva roubada

    Vocês decerto conhecem essa propaganda da tevê. Um rapaz vê um antigo carro precipitar-se no rio. Atira-se na água e salva a passageira, uma noiva que estava indo para a igreja. Ele leva-a até lá, entra no templo com a moça nos braços - e é, evidentemente, mal-interpretado, tendo de fugir às pressas. Esta historinha corresponde a uma fantasia muito comum, como mostram antigos versinhos do folclore português/brasileiro. É um diálogo. Um rapaz pergunta à tia: "Cadê o meu cavalo/ que eu aqui deixei ficar?". Responde a mulher: "O teu cavalo, sobrinho/ está no campo a pastar." O rapaz: "Cadê a minha espada/que eu aqui deixei ficar?". Resposta: "A tua espada, sobrinho,/ está na guerra a batalhar." E aí a questão crucial: "Cadê a minha noiva/ que eu aqui deixei ficar?". Golpe final: "A tua noiva, sobrinho/ está na igreja a se casar." Ou seja: mal o rapaz se descuida, vai-se o cavalo, vai-se a espada e, sobretudo, vai-se a noiva. Porque o noivado, esta é a conclusão, é terreno movediço, é rio turbulento onde, de repente, toda a paixão pode afundar e sumir.

  • Uma vitória do álcool

    Todas as notícias e comentários sobre o falecimento de Jefferson Péres mencionavam a ética como o aspecto mais importante de sua trajetória. O que é elogioso, mas não deixa de causar certa perplexidade: será tão notável assim que o senador tenha sido um homem ético? Ética na vida pública não é aquilo que os franceses conceituam como "ça va sans dire", algo que deveria primar pela obviedade? À estranheza soma-se uma coincidência: na mesma semana em que morria Jefferson Péres, o plenário do Senado aprovou medida provisória liberando o comércio de bebidas alcoólicas em todas as rodovias urbanas e rurais. Detalhe adicional: o texto aprovado pelos senadores é mais flexível do que aquele enviado pela Câmara. Pela proposta aprovada, os comerciantes estão livres para comercializar bebidas alcoólicas em qualquer lugar; no texto enviado pela Câmara a venda era autorizada apenas nas áreas próximas às rodovias urbanas. A notícia assegura que está mantido o rigor sobre o motorista flagrado bêbado, mas, na mesma noite um telejornal mostrava motoristas de caminhões enchendo a cara numa lanchonete de beira de estrada. Um deles tinha tomado uma garrafa inteira de cachaça: sabe-se lá quantas vidas isto pode custar. Ah, sim, vale a pena lembrar que esta resolução se segue à derrota do projeto de lei, apoiado pelo Ministério da Saúde, limitando a propaganda de bebidas alcoólicas: uma derrota atrás da outra.

  • Semeando o hábito da leitura

    "Nesta terra, em se plantando, tudo dá", escreveu Pero Vaz de Caminha na carta em que anunciou ao rei de Portugal a descoberta do Brasil. Esse "tudo" incluiria leitores? Como se faz para semear o hábito da leitura? Essas dúvidas foram reforçadas pela pesquisa do Instituto Pró-Livro acerca dos hábitos de leitura na população estudantil brasileira. De modo geral, no Brasil lê-se pouco. A pesquisa Retrato da Leitura no Brasil realizada em 2001 já mostrava o brasileiro lendo em média 1,8 livro por ano, índice baixo, se comparado ao de países como França (7), Estados Unidos (5,1), Inglaterra (4,9) ou Colômbia (2,4). Os estudantes lêem mais: 7,2 livros por ano, mas desses 5,5 são textos didáticos ou indicados pela escola.

  • A batalha dos sexos

    Vocês devem lembrar a propaganda de Sex and the City, a série televisiva que agora chega às telas sob forma de filme (o que, do ponto de vista da indústria da diversão, costuma representar uma consagração): quatro mulheres jovens, bonitas, avançam pelas ruas de Nova York. Uma cena paradigmática, análoga àquela que aparece nos filmes, vários, que trataram de um episódio famoso na história do oeste americano: o duelo entre mocinhos e bandidos no lugar conhecido como O.K. Corral. De novo são quatro, quatro os mocinhos e quatro os bandidos; como as moças de Sex and the City, eles avançam resolutos, não por uma elegante avenida, mas por uma rua empoeirada de um remoto vilarejo. É a hora da verdade; logo as armas falarão e dirão quem sobreviverá para contar a história.

  • O corpo como relógio

    O relógio mecânico é uma invenção da modernidade. Antes existiam as ampulhetas, os relógios de sol, as clepsidras, ou relógios de água - dispositivos que assinalavam a passagem do tempo pela marcha do sol ou pelo fluxo de uma substância, areia ou água. Mas o relógio mecânico era diferente. Uma máquina: dava-se corda, um pêndulo ficava oscilando ritmicamente. Depois os relógios se tornaram portáteis e ficaram ao alcance de todos, ou quase todos, uma necessidade gerada pela constatação de que tempo é dinheiro.

  • O que fazer com o estresse?

    Não há dúvida de que a palavra estresse, aportuguesamento do inglês stress, entrou na linguagem popular. E stress, por sua vez, passou a integrar o vocabulário da medicina quando, em 1936, o pesquisador Hans Selye (húngaro de nascimento, mas residente no Canadá) publicou um artigo sobre o que acontece quando o organismo enfrenta um desafio ou um risco inesperados: uma doença, esforço físico demasiado, falta de alimento, infecção. Há uma fase de alarme, com alterações imunitárias e hormonais, seguida por uma fase de adaptação. Para a maioria das pessoas, o estresse não tem este sentido. Significa antes sobrecarga emocional. Quando alguém diz que está "estressado", entendemos que está preocupado, nervoso. E há muita gente estressada ao nosso redor. O que levanta uma questão: como é que a gente lida com o estresse?

  • O pai de fim de semana

    Na semana passada, o presidente Lula sancionou o projeto de lei que cria, no Código Civil, a opção de guarda compartilhada dos filhos de pais separados. Até agora só havia a guarda unilateral, ou seja, o filho ficava com um dos pais, geralmente com a mãe. E isto dava origem a uma figura que acabou se tornando típica: a figura do pai de fim de semana, o pai que vai buscar o filho em geral na sexta à noite e devolve-o no domingo à noite. Como funciona isto? Num blog encontrei um pungente depoimento a respeito. É um pai que declara, patético: "Eu, que desde o dia em que o meu filho nasceu abdiquei de muita coisa para estar perto dele, eu que, por causa do bebê, desisti de projetos profissionais e recusei propostas tentadoras, eu que cuidei dele, eu que sabia o horário certo de aquecer o leite para a mamadeira, eu passei a pai de fim de semana." Uma semana, continua o relato, que custava a passar. E que culminava num fim de semana nem sempre tranqüilo, rotineiramente passado num shopping. Por que o shopping? Porque o shopping oferece diversão, comida, oportunidade de compras; o shopping ajuda a vencer a ansiedade não raro associada a estes encontros.

  • Gravidez na adolescência: o pacto do desamparo

    Muito significativa a notícia que ZH publicou no fim da semana passado. Diz o texto: "Intrigados com o repentino aumento do número de adolescentes grávidas na escola, os diretores da Gloucester High School (Massachusetts, EUA) descobriram um fato surpreendente. Ao menos metade das estudantes grávidas confessaram ter feito um pacto para engravidar ao mesmo tempo e criar os filhos juntas".

  • Migalha de poder

    No Rio, costumo dar uma caminhada matinal pelos jardins do Palácio do Catete, um lugar belíssimo e histórico - no Palácio moraram vários presidentes, inclusive Getúlio Vargas. Os jardins são cercados por uma alta grade. Só se pode entrar por um dos dois portões, e foi o que eu fiz, há alguns dias. O guarda que estava lá não me deixou passar: só depois das 8h, ele disse. Olhei o relógio: passavam cinco minutos das 8h, e foi o que eu disse a ele. Nesse momento, apareceu um homem que também queria entrar e que disse a mesma coisa: estava na hora. Mas o guarda não cederia tão facilmente. Disse que precisaria avisar seu superior. Ao que o homem que estava a meu lado reclamou: mas, afinal, o que regulava a entrada era o horário ou o tal superior? Não houve jeito. Só entramos depois que o guardião do paraíso falou com o superior (Deus?).

  • Medicina e indústria: a imprecisa fronteira

    Participei, certa vez, num evento sobre saúde pública realizado nos Estados Unidos, em que várias pesquisas foram apresentadas. Uma delas tinha como tema a dieta láctea no tratamento da hipertensão arterial. Chamava a atenção a insistência do palestrante sobre os benefícios da referida dieta. Terminada a apresentação, ouvi um dos médicos comentar com outro que a veemência era compreensível: o conferencista tinha sido financiado pela poderosa indústria americana do leite. Hoje, isto não seria uma revelação inesperada: os autores de trabalhos na área médica devem declarar prováveis interesses envolvidos em seu trabalho. O que nos remete a um assunto correlato, mas igualmente discutido: a relação entre indústria farmacêutica e médicos.

  • Machado de Assis ou Lima Barreto?

    Semana passada foi inaugurada na sede da Academia Brasileira de Letras, no Rio, uma exposição absolutamente imperdível: mostra-nos a vida e a obra de Machado de Assis. O local e o “timing” não podia ser mais adequados. A ABL é a casa de Machado – o escritor foi um de seus fundadores e o primeiro presidente – e este ano, como todo mundo sabe, assinala o centenário de seu falecimento. Embora seja hoje reconhecido, inclusive no exterior, como o grande escritor brasileiro, Machado permanece, sob certos aspectos, uma figura intrigante. De sua infância, particularmente, sabe-se pouco; mas o que se sabe é suficiente para despertar em nós uma comovida admiração. Descendente de escravos, filho de pais pobres, Machado nasceu no morro do Livramento, uma criança fraca, doente (sofria de epilepsia, enfermidade para a qual não havia à época tratamento eficaz). Perdeu a mãe ainda criança, mal freqüentou escola, se é que isto aconteceu, e muito cedo estava trabalhando. Além disso era mulato, numa época em que havia escravatura e na qual, por conseguinte, o preconceito era violento; e, por último, gaguejava. Que este menino tenha superado tudo isso para tornar-se um grande escritor é uma verdadeira lição. Dá, sim, para superar obstáculos, desde que os nossos sonhos nos sustentem.