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Volume morto

 

Enquanto os políticos petistas acionam seus fantoches no mundo virtual para tentar desqualificar os senadores oposicionistas que foram à Venezuela marcar uma posição democrática que repercute até hoje, num inegável sucesso político, o ex-presidente Lula mostra que ainda é o mais esperto de todos.

Convidou para um debate no seu Instituto ninguém menos que o ex-primeiro-ministro espanhol Felipe Gonzalez, que estivera em Caracas dias antes com o mesmo objetivo, e teve os mesmos problemas que os brasileiros. Ou os mesmos problemas que qualquer liderança democrática terá se quiser enfrentar a ditadura venezuelana.

Políticos ligados ao governo de Maduro, ou apoiadores de Diosdado Cabello, que tanto Lula quanto Dilma receberam prazerosamente em dias recentes, não terão dificuldades. Nem mesmo as acusações cada vez mais sérias a Cabello, sobre envolvimento com um cartel de drogas, inibiram os petistas. Mas, na hora de parecer democrata, Lula chama mesmo Gonzalez.

Lula ultimamente tem sido o mais rigoroso crítico do PT, por que, na qualidade de pragmático-mor da República, está vendo que a vaca está indo para o brejo. Ele, que já havia constatado que tanto ele quanto Dilma estão no “volume morto” e o PT “abaixo do volume morto”, ontem fez a constatação mais objetiva de todas: “já estou com 69 (anos), já estou cansado, já estou falando as mesmas coisas que eu falava em 1980”.

Não por acaso, mas por retratar a verdade, no mesmo dia o presidente da Mercedes-Benz no Brasil Phillip Schiemer, em entrevista à Folha, constatou, por outras palavras, o mesmo que Lula: "O país perdeu a previsibilidade com as mudanças nas premissas da política econômica. Voltamos uns 20 anos no tempo".

Essa volta na máquina do tempo tem muito a ver com a maneira como o governo petista se comportou a partir do segundo mandato de Lula, e durante o primeiro mandato de Dilma. Depois de passarem vários anos se comportando dentro das regras estabelecidas pela boa governança, respeitando o equilíbrio fiscal e se aproveitando de um momento raro na economia mundial, com os preços das commodities lá no alto, Lula e seus seguidores ouviram o canto da sereia e acharam que já podiam voltar ao ponto em que, para vencer a eleição de 2002, tiveram que abdicar de suas idéias.

Guido Mantega, que se notabilizara durante os anos em que o PT esteve na oposição por ser o porta-voz econômico do partido, nunca havia assumido o comando real da área até a saída de Antonio Palocci, em 2006. A partir daí, a política de equilíbrio fiscal foi sendo paulatinamente substituída pelo que viria a ser chamado de “nova matriz econômica”, que se aproveitou da crise financeira de 2008 para, a pretexto de uma política anticíclica, permitir um pouco mais de inflação para estimular o consumo interno como motor do desenvolvimento, política essa exacerbada no governo Dilma.

Hoje sabemos que diversos parâmetros econômicos foram quebrados nesse processo, com práticas ilegais de criação de despesas sem autorização do Congresso que acabaram produzindo um descalabro nas contas públicas.

Quando o ex-governador Anthony Garotinho apelidou o PT de “partido da boquinha”, a muitos pareceu que era apenas uma disputa política a mais. Mas não é que o próprio Lula admite que o PT hoje “só pensa em cargo, em emprego, em se eleger”? 

Não é à toa que Lula vem insistindo na tese de que é preciso fazer uma reorganização partidária no país, tema a que voltou ontem. A mesma pesquisa Datafolha que mostrou que a presidente Dilma tem 65% de oposição, também revelou que o ex-presidente Lula perderia a eleição presidencial se o candidato do PSDB fosse o senador Aécio Neves.

Se o candidato fosse o governador paulista Geraldo Alckmin, Lula o bateria, mas a ex-senadora Marina Silva ganharia densidade eleitoral para empatar com ele. Feitas as contas, há hoje uma maioria oposicionista no país que procura o melhor candidato para derrotar o PT, mesmo que ele seja Lula.

Outro aspecto da pesquisa é o que mostra que o PSDB, como sigla mais organizada da oposição, pela primeira vez nos últimos 13 anos empata na preferência do eleitorado com o PT, que vem em franca decadência, pois já foi o preferido por cerca de 30% do eleitorado. É o tal “volume morto” a que Lula se referiu.

O Globo, 23/06/2015