Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > As voltas que o mundo dá

As voltas que o mundo dá

 

A política se move por sensações, das quais o medo é a mais importante. O cidadão vota por medo de perder o emprego, medo de perder benefícios, medo de mudanças radicais, medo de continuar sem perspectivas e assim por diante. Às vezes, como no caso do Pix, ou dos celulares em 2002, esse sentimento não é captado pelos políticos. Outras, como no caso do Bolsa Família ou do crédito consignado, responde a uma necessidade reprimida do cidadão comum e torna-se ferramenta eleitoral poderosa.

Quando o Pix foi lançado pelo Banco Central, no governo Bolsonaro, não houve a percepção de que era uma ajuda fundamental aos pequenos empreendedores, uma conquista que permite a indivíduos transacionar fora do sistema bancário, autonomamente. Por isso, quando se espalhou o boato de que o governo taxaria transações a partir de determinada quantia, houve uma revolta incontrolável, que levou a uma derrota do governo. Só cancelando a norma interna da Receita Federal ele conseguiu convencer a população de que não haveria taxação.

Bolsonaro não conseguiu transformar em votos essa ferramenta popular que seu governo criou. Da mesma maneira, em 2002, o candidato tucano José Serra não usou o celular em sua campanha eleitoral. Hoje, os celulares são o dobro da população brasileira. Um instrumento de trabalho fundamental, como o Pix. O Bolsa Família surgiu para substituir o Fome Zero, que falhou no seu objetivo.

Inicialmente, seria um instrumento político para dar poder aos cidadãos das comunidades, fora da alçada dos prefeitos e vereadores. Só que o então ministro Patrus Ananias entendeu que a validade daquele pacote social ia muito além e convenceu Lula a colocar os prefeitos no esquema de distribuição do Bolsa Família, transformando-os em cabos eleitorais diretos. Foi um sucesso, a tal ponto que o PT passou a usar a ameaça de que o Bolsa Família acabaria se Lula fosse derrotado. O medo de perdê-lo deu muitos votos ao PT e a Lula, até que o tempo fez com que o benefício passasse a ser entendido pelos beneficiários como parte de seus recursos financeiros, irrevogável.

Quando Bolsonaro não apenas manteve o plano, com outro nome, mas aumentou seu valor, ficou claro que governo nenhum acabará com o Bolsa Família. Sua eficácia eleitoral também foi reduzida. Para o economista Fabio Giambiagi — que acaba de lançar novo livro analisando a trajetória da economia brasileira nos últimos 40 anos (“A vingança de Tocqueville” — editora Alta Books), o PT está desperdiçando uma nova oportunidade.

Giambiagi pontua que, nas últimas quatro décadas, o país registrou avanços importantes. Reconquistou a democracia. Desde a reestruturação da política brasileira e a garantia dos direitos civis e políticos da população, o Brasil derrotou a hiperinflação, enfrentou a dívida externa e avançou na rede de proteção social. Ele lembra que os avanços do país estão associados a três períodos e a três governos: a redemocratização, à década de 1980 e ao governo Sarney; a estabilização, aos anos FH (1995/2002); e os avanços sociais aos dois primeiros governos Lula (2003/2010). Depois de 2010, o país se perdeu.

O livro de Giambiagi menciona que essa trajetória se deu, em grande parte, em razão do desencontro entre o PSDB e o PT: “O fim indolor da inflação ter sido uma marca do PSDB foi algo que o PT não conseguiu perdoar nos 20 anos seguintes e colocou os dois partidos em polos opostos. Nas últimas quatro décadas o Brasil continuou tropeçando nas finanças públicas e na produtividade. Os gastos públicos cresceram quase que continuamente — com exceção do período 2017/2022, deixando de lado a alta pontual de 2020 — e, agora, o governo Lula, repetindo o desgastado receituário de uma economia com forte presença do Estado, implementou um programa de expansão fiscal com intensidade poucas vezes vista — e voltou a usar a Petrobras para políticas que não dão certo”.

O Globo , 18/02/2025