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Vai fazer falta

 

Conheci Cristiana na sucursal do Globo em Brasília no final dos anos 1970, começava seu trabalho de repórter política na capital, vinda de Goiás. Sempre foi a mesma, alegre e irreverente, amando o que fazia. Gostava das intrigas no Congresso, aprendeu cedo a entender o que era notícia, o que era boato; o que era manipulação, o que era informação. E nunca perdeu uma visão irônica da atividade política, embora entendesse que era ali, com seus defeitos e qualidades, que o destino do país era traçado.   

Por sorte, conviveu logo no início da carreira com gente como Ulysses Guimarães, Thales Ramalho, Tancredo Neves, Petronio Portella, Tasso Jereissati, Miro Teixeira, e conheceu os ex-presidentes Fernando Henrique e Lula no início de suas carreiras políticas. Tinha parâmetros rigorosos para comparar os políticos. Ultimamente, antes de adoecer, tinha uma visão cética da política, mas ao mesmo tempo era pragmática para aceitar o material humano que tinha para trabalhar, e convivia com essa diferença de qualidade com um humor característico.  

Nos tornamos amigos e sempre admirei a maneira como ela entendia política, como era engraçada ao comentar certas coisas do tema, como não se deixava levar por enganações, tentativas de desinformar, de plantar notícias, sabia quem era quem.  Mesmo quando o político não era confiável, sabia quando falava a verdade, porque conhecia os bastidores. Era uma pessoa muito interessante, de inteligência rápida.  

Desabrochou na Globonews, o jeito descontraído de lidar com a política ficou exposto. Além de ser uma das pioneiras entre as mulheres comentaristas políticas na televisão, sua espontaneidade, a maneira direta de falar, foi uma novidade, uma revolução na abordagem política. E foi até o fim na visão crítica, mas, gostando muito da Política, entendia que o Congresso é uma instituição da qual não se pode abrir mão, mas precisa ser visto com olhar crítico sempre, para não nos perdermos nessas manobras diárias.  

Era muito interessante conviver e fazer coberturas com ela. Muito gentil, mesmo quando falava certas verdades que não podiam ser contestadas, era de maneira doce. Mas sabia ser ferina quando queria. Gostava de trabalhar, do ambiente político, daquela intrigalhada toda de Brasília. E nunca mudou esse jeito, só foi aprimorando a sagacidade. Tinha muita informação para trabalhar, e compreender quem é quem, como se fazia política. Se tivesse tido tempo para escrever suas memórias, seria um livro sensacional.   

Gostava tanto de eleição que queria saber bastidores até do pleito na Academia Brasileira de Letras (ABL). E sempre tinha seus favoritos. 

O Globo, 11/11/2021