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Uma pergunta que não quer, e não pode calar

 

Acabo de receber um livro que se constitui numa leitura muito adequada para este 18 de outubro, Dia do Médico. Foi organizado pelos doutores Álvaro Jorge Madeiro Leite, professor adjunto de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade do Ceará, e pelo médico geriatra João Macedo Coelho Filho, da mesma universidade.

Publicada pela Editora Saberes, de Campinas (SP) e prefaciada por Adib Jatene, grande cirurgião cardiovascular e ex-ministro da Saúde, a obra reúne ensaios de médicos, educadores, intelectuais, jornalistas, redigidos sob a forma de cartas para um jovem médico.

O título é mais que sugestivo: Você Pode me Ouvir, Doutor? Fica claro que esta pergunta, que sugere incerteza, ansiedade, resulta também de uma certa frustração. E é uma questão crucial na prática da medicina em nossos dias e em nosso país. Uma prática que, em primeiríssimo lugar, chegou a um nível de excelência nunca sonhado na história da humanidade. Nunca a medicina curou tantos doentes, nunca salvou tantas vidas, nunca foi tão eficaz na prevenção. E no entanto não são poucas as queixas em relação ao atendimento médico: basta ler jornais, basta escutar rádio ou assistir à TV para constatá-lo.

Grande parte destas queixas resultam do alto custo dos cuidados médicos, nos quais o componente tecnológico é agora componente fundamental. Uma outra e importante razão é a desorganização dos serviços, tanto os públicos quanto os privados. Mas temos também um fator relacionado ao nosso atual estilo de vida moderno e que é mencionado em vários dos ensaios do livro. Um fator que gira em torno do verbo “ouvir”.

Já repararam como ficou difícil ser ouvido? A gente liga para um serviço qualquer e recebe de volta uma mensagem gravada, que nos remete para tal ou qual número, um processo que pode levar muito tempo e no qual não conseguimos falar com nenhum ser humano. A clássica explicação é a da falta de tempo, e isto atinge também a prática médica, com resultados negativos. Coisa paradoxal, porque todo estudante aprende, na faculdade, que o exame clínico começa por algo chamado anamnese, que é a narrativa, pelo paciente, do problema que o trouxe à consulta e de outros antecedentes que possam colaborar para o diagnóstico. Mais: a anamnese resulta num vínculo emocional que tem, por si só, valor terapêutico. Não são poucos os pacientes que afirmam se sentir melhor com a simples presença do médico.

Faz todo o sentido, portanto, a afirmação de Adib Jatene: “O médico não pode permitir que as máquinas o substituam. Não pode limitar o tempo da consulta, refugiar-se na solicitação de exames e encurtar a anamnese. Que a tecnologia não substitua o raciocínio clínico, que a eficiência não se contraponha ao afeto.” Palavras de um mestre, que os responsáveis por serviços médicos, públicos e privados deveriam considerar como diretriz básica; e, de outra parte, resposta mais do que adequada à pergunta que, na medicina, não quer calar, não deve calar: “Você pode me ouvir, doutor?”

Zero Hora (RS), 16/10/2010