À medida que os detalhes da operação “Punhal Verde e Amarelo” vão se tornando realidade, com áudios, fotos, textos, documentos deixados pelo caminho pelos golpistas, mais fica claro que estivemos próximos de uma guerra civil, de que a invasão bárbara na Praça dos Três Poderes é exemplar. Como aconteceu nos Estados Unidos, em que houve até mortes na invasão do Capitólio em Washington, só não aconteceu um golpe militar porque as Forças Armadas, especialmente o Exército, não aderiram.
Para mim, o fato mais chocante foi ver que o decano do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Gilmar Mendes, foi fotografado na fila de embarque de um voo de Lisboa para o Brasil. Uma foto banal, que poderia ter sido tirada por qualquer passageiro, mas que foi feita por um “olheiro” dos golpistas, o que significa que o plano de assassinar ministros do STF estava em andamento.
O General Braga Neto, preso ontem por obstrução da Justiça, foi um dos que arranjou dinheiro vivo para financiar as manobras dos “kids pretos”, força especial do Exército que teve participação ativa na tentativa de golpe. Denunciado pelo tenente-coronel Mauro Cid, o ex-ministro da Defesa passou a usar sua influência entre os militares para saber detalhes do depoimento e, assim, tentar esconder as pistas que levavam à sua participação na trama golpista.
A definição de que foi um golpe “de militares”, e não um “golpe militar” é perfeita, para que não se misture a aventura de alguns golpistas com a instituição militar, que vem se portando altivamente neste momento delicado da vida nacional. Assim como o golpe de 1964, que os golpistas chamavam de “revolução” para convalidá-lo, passou a ser conhecido como golpe civil-militar para deixar claro que os civis tiveram tanta responsabilidade quanto os militares pela ditadura implantada.
A prisão do General de Exército na reserva Braga Netto é mais um passo em direção à normalização das relações de civis e militares. Depois do golpe militar de 64, houve período de temores a cada momento em que decisões civis interferiam em atividades militares, como se estes tivessem imunidades tácitas, não inscritas em nenhuma legislação. O então presidente Fernando Henrique Cardoso deu os primeiros passos para quebrar essa tradição sem sentido numa democracia, ao criar o ministério da Defesa, que colocou as Forças Armadas subordinadas ao poder civil.
Também se deve a ele a indenização dos que sofreram perseguição durante a ditadura, sendo a criação da Comissão Nacional da Verdade uma consequência lógica, no governo da presidente Dilma Rousseff. O ex-presidente Michel Temer teve uma relação ambígua com o ministério da Defesa. Ao mesmo tempo que colocou um civil preparado, Raul Jungmann, no ministério, reforçando a ideia de que os militares deviam subordinação aos civis, depois quebrou essa tradição nomeando militares para o cargo. No governo Bolsonaro, o ministério da Defesa passou a ser comandado apenas por militares, distorcendo o sentido do cargo.
Sendo o primeiro General de Exército preso na história do país, e tendo o Comando do Exército dito em nota que acompanha as investigações e não se intromete em atividades de outros órgãos do Estado, firma-se a ideia de que não há privilégios para militares quando se trata de crime contra a democracia e o Estado de Direito. Há, ainda, a mensagem implícita de que o ex-presidente Jair Bolsonaro não escapará de uma punição à altura do crime liderado por ele.
A ideia de anistia dos presos na invasão dos prédios dos Três Poderes não tem sentido, mas ganhará reforço na decisão já anunciada pelo presidente eleito dos Estados Unidos Donald Trump de anistiar todos os condenados pela invasão do Capitólio. Trata-se de uma decisão política que caracteriza a maneira de governar dos extremistas de direita. Trump não esconde a vontade de perseguir todos os funcionários públicos que atuaram contra ele depois que deixou o governo, ressentimento que também o ex-presidente Bolsonaro alimenta.