Já escrevi aqui e disse várias vezes a vocês que somos velhos admiradores de Ailton Krenak. Velhos admiradores? Bem, nem tão velhos assim, pois estamos os dois nesta vida há muito pouco tempo. E Krenak acaba de assumir sua cadeira na Academia Brasileira de Letras para a qual somente foi eleito no fim do ano passado.
Krenak é o primeiro intelectual brasileiro que, ao assumir um posto na Academia, tem essa origem popular. Krenak é o nome de sua família e da reserva onde vive até hoje, na altura do Rio Doce, em Minas Gerais, o célebre, exemplar e misterioso Rio Watu dos mitos indígenas.
Como tal, ele desenvolve suas ideias e chega a certas conclusões bem objetivas a partir de um conceito original, consequência de sua origem étnica e também do que ele se tornou com o tempo. O projeto maior de Ailton foi o de sempre saber quem ele era. Isto é, de onde ele veio e para onde ia, tendo sua família e amigos como parâmetros de sua vida civil. Como está em Aristóteles, “o homem é o mais nobre dos animais; mas sem a lei e a justiça é o pior”.
Ailton Krenak desentranha do pensamento krenakiano (e só!) originário uma forma de conhecimento que nos habituamos a reconhecer como “filosofia”. A leitura de seus textos o aproxima também de uma matriz africana. Isso que sempre esteve aí, como o mais próximo de nós no passado, está agora como eterna presença do ser. E no futuro do ser.
Suas ideias são uma experiência em busca de algo que ainda não se conhece, mas se pressente. Como se o passado fosse não apenas o lugar da memória do que nos aconteceu um dia (a imagem dos remadores no Watu), mas também uma adivinhação do futuro feito de passagens misteriosas e claras como o dia.
E, se essas imagens se parecem com alguma coisa que conhecemos, não tem nada de mais. É essa a sua missão: reconstruir no presente a felicidade que sentimos no passado, por pior que ele tivesse sido.
No início de um de seus livros, “Futuro ancestral”, Ailton Krenak declara: “Este planeta é mesmo maravilhoso e é abraçado, em várias tradições de povos ameríndios — da Terra do Fogo ao Alasca —, por uma poética permeada de sentido maternal”. O que ele nos propõe é a construção de uma poética ameríndia para vivermos melhor, mesmo que vivêssemos apenas aquele instante.