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Tiros no pé

 

O senador petista Lindbergh Farias, exercendo seu papel de líder da oposição no Senado, tenta mais uma manobra para suspender o processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff, alegando que o presidente em exercício Michel Temer ganhará imunidades constitucionais caso a presidente Dilma seja afastada definitivamente, e não poderá ser investigado pela denúncia de que recebeu R$ 10 milhões da empreiteira Odebrecht, conforme constaria da delação premiada de Marcelo Odebrecht.

Há, para início de conversa, controvérsia sobre as imunidades de Temer mesmo no exercício da presidência da República. Constitucionalista respeitado que é, o presidente em exercício tem a exata noção de seus direitos e da controvérsia em torno deles. Há especialistas que consideram que no exercício do cargo, mesmo sendo interino, Michel Temer já não poderia ser investigado por fatos anteriores, assim como a presidente afastada Dilma Rousseff não pode ser investigada por fatos ocorridos quando exercia a chefia do Gabinete Civil da Presidência, por exemplo, e até mesmo em seu primeiro mandato.

Mas há constitucionalistas como Thomaz Pereira, professor da Fundação Getúlio Vargas no Rio, que acha ao contrário. Ele está publicando um artigo hoje no site jurídico Jota, em que defende a tese de que “(...) No momento, Temer ainda é vice-presidente. Esse é o seu cargo. Com isso, não tem ainda imunidades presidenciais. Pode ser denunciado na Câmara por crime de responsabilidade por qualquer cidadão – como já foi. Mas pode também ser processado por fatos anteriores ao seu mandato e estranhos às suas funções. O foro é o Supremo. E, ao contrário do presidente da República, a denúncia no Supremo não exige autorização dos deputados. Depende apenas do procurador-geral da República e do tribunal. Caso haja indícios suficientes para fundamentar uma denúncia, o período de interinidade de Temer é uma janela importante para atuação dessas instituições”.

 Argumentando que “A responsabilidade vem da função, a imunidade vem do cargo”, o professor Thomaz Pereira acha que, efetivado no cargo, quanto aos crimes comuns, “Temer de fato estaria temporariamente imune quanto aos atos alheios às suas funções – mas apenas esses”. Mas acha que Temer ainda poderia ser julgado por crimes de responsabilidade que tivesse cometido quando vice-presidente no exercício da presidência, como no caso dos decretos assinados por ele, alegadamente do mesmo tipo dos assinados por Dilma que estão em julgamento no Senado:

“Vice não assina decretos. Apenas o presidente – no caso, em exercício – o faz. Ou seja, a função exercida por Temer era a mesma, antes e depois do afastamento de Dilma. Mesmo se presidente, Temer ainda poderia sofrer impeachment por atos cometidos no cargo de vice, mas na função presidencial. Afinal, a responsabilidade vem da função”.

Esse é um tema tão controverso que o Tribunal de Constas da União (TCU) não analisa as contas do vice-presidente porque considera que até mesmo os decretos assinados por ele são de responsabilidade do titular do cargo. Além dessa controvérsia, que por si só mostra como seria difícil conseguir uma decisão do STF favorável à suspensão do processo de impeachment, há a questão política. A tese do senador Lindbergh Farias é um tiro no pé, no seu próprio, e no da presidente afastada.

Lindbergh é também alvo de denúncias de delações premiadas no âmbito da Operação Lava Jato, assim como sua companheira petista senadora Gleisi Hoffman. Os dois, por esse critério, não poderiam fazer parte da Comissão de Impeachment. Além disso, a presidente afastada Dilma Rousseff está sendo citada em diversas delações premiadas pelo uso de caixa 2 e financiamento com dinheiro de propinas nas campanhas presidenciais.

Na mais recente e devastadora, o marqueteiro João Santana diz que combinou com ela, pessoalmente, os termos dos pagamentos no exterior. Aliás, as delações premiadas, fora poucas e honrosas exceções, estão atingindo praticamente todos os partidos, entre eles o PSDB, que teve seus principais líderes acusados em diversos depoimentos – o presidente do partido, senador Aécio Neves, e o ministro das Relações Exteriores, senador José Serra.

É uma boa oportunidade, comprovando-se ou não as denúncias, para alterar a legislação sobre o caixa 2 em campanhas eleitorais. Como disse o Juiz Sérgio Moro, o caixa 2 é uma trapaça eleitoral, e como tal deveria ser considerado um crime comum.

O Globo, 09/08/2016