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Tempos difíceis

 

Eleição em tempo de crise foge completamente dos padrões. O discurso dos candidatos fica pelo menos mais honesto, já que não é possível pintar com cores alegres o quadro econômico que todos estão sentindo na pele.

Com um índice de desemprego alto em todos os países, na Europa e nos Estados Unidos, todos os candidatos têm de apresentar um programa de desenvolvimento, mas ao mesmo tempo têm também de preparar os eleitores para os tempos duros que ainda virão. Fica difícil prometer futuro brilhante quando se tem de cortar custos e aumentar impostos.

O máximo que se pode fazer é dar a entender que o eleitor do adversário sofrerá mais do que o seu.

E, mesmo nos Estados Unidos, país onde a arrecadação de fundos privados para a campanha eleitoral serve como termômetro para medir a capacidade de cada candidato, ser rico é arriscado nos dias de hoje.

É o caso do provável candidato republicano, Mitt Romney, empresário de sucesso, que é atacado por isso pelos dois lados.

A campanha de Obama já o acusou de ser um "destruidor de empregos" ao comprar empresas quando atuava no setor privado.

O presidente americano também anunciou a criação de uma alíquota do imposto de renda para os "muito ricos", dizendo que feria o "senso comum" um milionário não pagar pelo menos 30% de imposto de renda.

Romney rejeitou as críticas e contra-atacou dizendo que o número de desempregados passou de 22 para 24 milhões nos Estados Unidos sob o governo de Obama, e também que a dívida pública aumentou de US$ 10,4 trilhões em janeiro de 2009, quando Obama assumiu a Presidência, para US$ 15 trilhões.

No front interno, Romney está sendo acusado por Newt Gingrich de ser milionário e, o que é pior, de falar francês.

Falar uma língua estrangeira parece ser um pecado capital para políticos americanos, e os monoglotas parecem mais "autênticos" ao eleitor médio, como é o caso de George W. Bush e do próprio Obama.

O candidato democrata em 2004 John Kerry também foi muito atacado porque passava as férias na região francesa da Bretanha com sua família quando era jovem.

Os assuntos delicados, como reformas no sistema previdenciário, também devem ser esquecidos durante a campanha eleitoral, embora tenham que ser retomados logo que o vencedor assuma o governo.

No caso brasileiro, nem a presidente Dilma nem seu adversário tucano José Serra trataram da questão previdenciária, mas hoje o governo está empenhado em aprovar o fundo de previdência dos servidores públicos, aprovado por Lula em 2003 e que até hoje não saiu do papel, mas é fundamental para equilibrar as contas da Previdência.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, quando foi candidato em 2006, saiu de uma reunião com economistas na Casa das Garças, um instituto de estudos econômicos ligado ao Departamento de Economia da PUC do Rio, com a sensação de ter recebido a agenda mais antieleitoral que poderia haver.

Os economistas — Edmar Bacha, Armínio Fraga, Francisco Gros, Pedro Malan, entre outros, todos ligados de alguma maneira ao PSDB — focaram suas preocupações na Previdência Social, classificada como um ponto crítico do quadro fiscal.

Não haver limite de idade para a aposentadoria no sistema privado seria uma bomba de efeito retardado.

Em outra reunião, de líderes do PSDB com empresários do Iedi em São Paulo, levantou-se a necessidade de se separar o reajuste do salário mínimo das aposentadorias da Previdência.

O presidente do PSDB na ocasião, Tasso Jereissati, disse que, se um político apresentasse essa proposta na campanha eleitoral, não precisaria nem esperar o resultado das urnas: seria derrotado fatalmente.

Um dos reflexos da crise na campanha presidencial aqui na França é que nenhum dos candidatos pode fazer proselitismo político sem falar em aumento de imposto.

Mesmo o candidato socialista, François Hollande, admite que ,"seja qual for o eleito, haverá aumento de imposto".

Mas ressalva: "O importante é saber quem pagará a conta." Ele garante que seu programa fará com que apenas os bancos, as grandes empresas e os ricos pagarão mais impostos, mas seus adversários já apontam inconsistências nos seus planos.

O aumento de imposto para as empresas atingirá também pequenos e médios empresários.

A promessa de tapar os buracos na legislação que permitem a redução de impostos, os chamados "nichos fiscais", atingirá ao mesmo tempo as empresas e os profissionais liberais.

E a taxação de horas extras poderá prejudicar também os cerca de nove milhões de assalariados que as utilizam.

Ele promete também criar uma alíquota de 45% para os "muito ricos".

O plano de Hollande também é criticado por dar um papel secundário ao corte de gastos do governo.

Já o candidato centrista, François Bayrou, apresentou também seu projeto econômico, que prevê redução dos gastos públicos em 50 bilhões de euros e outros 50 bilhões em aumento de impostos, inclusive a criação de duas novas alíquotas do imposto de renda, de 45% e 50%.

O presidente francês, Nicolas Sarkozy, que concorrerá à reeleição, anunciara domingo, em cadeia de televisão, que haverá um aumento de 1,6% do imposto sobre valor agregado de produtos e serviços, que hoje é de19,6% e incide sobre bens de consumo.

Segundo ele, a mudança financiará isenções de encargos trabalhistas no valor de 13 bilhões de euros.

Ele também confirmou que a taxa sobre as transações financeiras de 0,1% deverá ser aplicada a partir de agosto, uma taxa que a França cobrará sozinha "para dar o exemplo", mas que pode fazer com que muitos negócios saiam da França.

Sarkozy está sendo criticado até mesmo pelo acordo com a Índia para a compra de 126 jatos Rafales, pois, pelo acordo, a maior parte desses aviões será montada na Índia, e apenas os 18 primeiros serão construídos na França, gerando empregos.

Um dos motes da campanha de Sarkozy é defender os produtos fabricados na França, para gerar mais empregos.

O Globo, 3/2/2012