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STF x investigações

 

A permanente disputa entre o Ministério Público e a Polícia Federal sobre investigações criminais, que ganhou dimensão a partir da repercussão das ações da Operação Lava-Jato, teve uma nova rodada com a decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) que na quinta-feira assegurou ao Ministério Público a atribuição de promover, “por autoridade própria e por prazo razoável”, investigações de natureza penal.

A decisão foi tomada na conclusão do julgamento de recurso extraordinário, com repercussão geral reconhecida, o que significa que deverá ser acatada a partir de agora por toda a Justiça. Os ministros frisaram, contudo, que devem ser respeitados, em todos os casos, “os direitos e garantias fundamentais dos investigados”, incluindo o princípio constitucional do devido processo legal, e que a atuação do MP fica sob permanente controle jurisdicional.

A decisão do STF, tomada a partir do recurso de um prefeito de Ipanema (MG), investigado e denunciado pelo MP estadual, foi considerada relevante por todos os ministros, por balizar a atuação do MP.

E parece ter conseguido chegar a um ponto de equilíbrio, pois agradou a todos em sua decisão básica: permitir as investigações do Ministério Público, mas com limitações garantidoras dos direitos. O chefe do Ministério Público Federal, Rodrigo Janot, está comemorando o resultado do julgamento como “histórico”, após uma luta de dez anos dos procuradores.

Curiosamente, o Conselho Federal da OAB e a própria Associação dos Delegados de Polícia do Brasil também comemoram, porque todos os 11 ministros do Supremo frisaram que a investigação direta do MP só deve ocorrer em situações excepcionais, “taxativas”; basicamente quando houver ataque ao patrimônio público ou abuso de poder por agentes policiais.

Além disso, as representações dos advogados e policiais ressaltam as ressalvas feitas pelos ministros, no sentido de que as investigações do MP devem respeitar os direitos garantidos pela Constituição, o devido processo legal e a razoável duração do processo.

“O Supremo deu, enfim, uma enquadrada no Ministério Público. Ele só pode investigar por conta própria casos excepcionais, com todos os procedimentos documentados, sob controle jurisdicional permanente dos advogados e investigados; não poderá engavetar um inquérito indefinidamente, sem dar satisfação a ninguém, por exemplo”, diz Wladimir Reale, presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Rio, que atua em vários processos junto ao STF, o mais recente questionando o poder do MP para interceptação de comunicações, feito com base apenas numa resolução do Conselho Nacional do Ministério Público.

Essencialmente, segundo Wladimir Reale, foi resolvida a questão central que estava em jogo: teria o MP competência para fazer investigações penais por conta própria? Por sete votos a quatro, o plenário do STF decidiu que sim, mas com ressalvas, que serão detalhadas no acórdão, a ser redigido por Gilmar Mendes.

Como patrono da causa em julgamento ontem, Wladimir Reale antecipa que o acórdão, se preciso, poderá ser alvo de embargos de declaração, “tendo em conta que certos votos admitiram a excepcionalidade da atuação do MP em restritas e taxativas hipóteses. Assim, se houver no acórdão obscuridade, contradição, ou for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o tribunal, serão opostos os embargos previstos”. 

As investigações do MP devem ser documentadas para que haja possibilidade de controle não só por meio dos advogados, como da própria Justiça, restrições que, na prática, atualmente não existem.

O jurista Fabio Medina Osório resume assim a decisão do STF: “O Ministério Público inequivocamente tem o poder investigatório reconhecido, mas esse poder deve ser exercido em sintonia com outras autoridades investigadoras, pois não há uma relação hierárquica entre autoridades policiais e membros do MP. Portanto, o diálogo entre as instituições fiscalizadoras é cada vez mais importante e necessário para gerar resultados positivos à sociedade brasileira”.

Já o jurista Ives Gandra Martins apoia a decisão dos ministros do STF que não aceitam a investigação do MP. Ele considera que a Constituição dá apenas aos delegados de polícia o poder de ser “Polícia Judiciária” e investigar. “Apesar de importante, a função do MP não tem a isenção que tem o magistrado e o delegado, este como ‘longa manus’ daquele”.

O Globo, 16/05/2015