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Síndrome de Estocolmo

 

Nos 18 anos em que Jaycee Lee Dugard alegadamente passou em cativeiro na casa de Phillip Garrido, ela com certeza teve várias chances de contar a alguém a verdade. Clientes da gráfica mantida por Garrido em casa dizem que uma jovem mulher a quem eles conheciam como a filha dele, "Allissa", desenhava cartões de visita e ajudava a família com os negócios; nunca suspeitaram que "Allissa" era uma garota sequestrada em 1991, aos 11 anos, em South Lake Tahoe.

Vizinhos também não tinham ideia de que as duas filhas mais novas de Garrido, meninas de 11 anos e 15 anos, eram filhas de Jaycee. A pergunta se impõe: por que Jaycee Lee Dugard não escapou, por que não pediu socorro a alguém? Folha Online


"EU SEI que, nesta história, a minha posição é a pior possível. Eu sou considerado o sequestrador, o homem perverso que raptou uma garota, que a conservou em cativeiro durante 18 anos e que teve com ela duas filhas. Sou daqueles que fazem as pessoas ansiarem por uma imediata aplicação da pena de morte. Mas, acreditem vocês ou não, é exatamente o contrário. Eu não sou o sequestrador. Eu sou o sequestrado.


Foi preciso que muito tempo se passasse -dezoito anos- para que eu me desse conta disso. Porque, no começo, eu me achava o todo-poderoso, aquele que tinha pleno controle da situação. E de fato, no começo, a garota chorava sem cessar, queixando-se de seu cruel destino.


Aos poucos, contudo, a situação foi mudando. Ela já não chorava, ela parecia resignada, acostumada com a nova situação. Trabalhava comigo na empresa, e, era, aliás, muito boa no que fazia. E muito boa administradora, também. No fim do primeiro ano estava dando sugestões acerca de como organizar os negócios.


De maneira muito pouco perceptível, as sugestões foram se transformando em ordens e essas ordens já não se restringiam à empresa, envolviam minha vida pessoal. Ela dizia como eu tinha de me vestir, o que tinha de comer; decidia que filmes veríamos, como organizaríamos a festa de Natal e onde passaríamos as férias. Quando nasceram as garotas, a coisa ficou ainda pior. Ela me obrigava a cuidar das crianças, gritava comigo, chamava-me de pai relapso.


Lá pelas tantas decidi fugir. Isso mesmo: decidi fugir. Eu já não aguentava uma opressão que, tudo indicava, duraria para sempre e que, pior, resultava de um terrível erro que eu havia cometido e que já não podia corrigir. Só me restava uma alternativa: sumir. Deixar tudo para ela, a casa, a empresa, o carro e desaparecer.


Mas não pude fazer isso. Estava demasiadamente apegado a ela, às meninas. Estava, foi o que concluí com horror, com a síndrome de Estocolmo, aquela situação em que o sequestrado identifica-se e cria vínculos com seus sequestradores.


Foi o que aconteceu na capital da Suécia em 1973, quando funcionários de banco mantidos em cativeiro e depois resgatados, se recusaram a testemunhar contra os bandidos quando estes foram presos.


Continuo pensando em fugir. Mas só um destino me ocorre: a cidade de Estocolmo. E isso me faz concluir que estou definitivamente perdido."


Folha de S. Paulo, 14/9/2009