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Sinais para o futuro

 

O presidente Lula — que passou os últimos anos tentando jogar o PSDB e o ex-presidente Fernando Henrique para a direita como parte de uma estratégia política que visava a isolar seu principal rival partidário — foi ontem visitá-lo em São Paulo, no mesmo roteiro que o levou a Noam Chomsky e ao escritor Raduan Nassar, dois próceres da esquerda. Pelo menos no momento em que se comemoram os 30 anos do Plano Real, que na origem o PT chamou de “estelionato eleitoral”, Lula parece ter compreendido que precisa dos órfãos do PSDB, de centro-esquerda, para combater a direita.

A direita, a reboque de seus extremistas, absorveu quase integralmente os eleitores tucanos num primeiro movimento de rejeição ao petismo, que desaguou na eleição de Bolsonaro em 2018. Depois do desastre que foi seu governo, parte desses tucanos votou no PT, uns pela primeira vez na vida cívica, para tentar recuperar a força da social-democracia. O terceiro governo de Lula, no entanto, não tem dado a esses eleitores, e não apenas a eles, a expectativa de um futuro melhor, mesmo que o clima político tenha amenizado.

O que era um objetivo na eleição de 2022, voltar à normalidade, transformou-se em decepção, pois o governo petista, se não age como um governo autoritário de esquerda, tem uma visão de capitalismo que se aproxima mais dos governos autocratas, não perdeu o hábito de interferir nas empresas, mesmo que não sejam estatais, como Petrobras e Vale, aparelha o Estado de maneira desabrida, tenta interferir nas ações do Banco Central independente, considera que o Estado é indutor do crescimento econômico e, por isso, critica as privatizações, quando não tenta desfazê-las.

Há também sinais de que o combate à corrupção deixou de ser prioridade, tendência que se iniciou com Bolsonaro e prossegue no terceiro mandato de Lula. Maior exemplo é a “coincidência” de os irmãos Batista terem entrado no negócio de energia no Amazonas dias antes de o governo editar uma Medida Provisória beneficiando justamente o setor. O aparelhamento do Estado, que sempre foi política petista, foi também usado pelo bolsonarismo. A cada governo, se formos nessa batida, a máquina estatal é revisada, e isso impede que tenha a eficiência necessária. A meritocracia deu lugar à fisiologia, e a produtividade do serviço público continua decaindo.

A política externa brasileira, tendenciosa à esquerda e com inexplicável comportamento antiocidental, é o maior sinal de esquerdismo petista que assusta parte do eleitorado, como se fosse indicativo de uma postura futura desejada. A aproximação com Fernando Henrique pode ser uma mensagem de que Lula entendeu suas limitações diante um eleitorado de centro-esquerda que rejeita o autoritarismo. Foi por isso que conseguiu derrotar Bolsonaro em 2022. Precisará ajustar sua bússola para 2026.

As eleições municipais deste ano serão um bom termômetro para o futuro do país, especialmente porque a direita brasileira, como acontece, aliás, no resto do mundo, está a reboque dos extremistas. O presidente da Câmara, Arthur Lira, surpreendeu-se com a reação da opinião pública contra os projetos extremistas que tentou aprovar e parece tender a esquecê-los.

O extremismo pode ser um tiro no pé, como a imposição de Bolsonaro na escolha de um ex-PM para vice do prefeito Ricardo Nunes, um político sem sinais de radicalismo em seu currículo. A divisão da direita em várias candidaturas em São Paulo, como Pablo Marçal e Datena, pode também servir de ânimo para o candidato do PT/PSOL, Boulos, embora no segundo turno seja difícil que ele vença, até porque deu razão a seus críticos no escandaloso relatório com que liberou o deputado esquerdista André Janones no Conselho de Ética da Câmara, em que era acusado, com até mesmo gravações, de fazer “rachadinha” em seu gabinete. O mesmo crime de que a família Bolsonaro é acusada.

O Globo, 25/06/2024