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Sinais de acordo

 

Há cruzando os céus de Brasília vários sinais de que o governo Dilma está conseguindo, através de pressões e arranjos políticos de diversas qualidades, neutralizar a tendência de órgãos de controle como o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de rejeitar as contas do último ano de seu primeiro governo, ou impugnar a chapa eleita em 2014 por diversas irregularidades cometidas.

O problema não é o governo conseguir superar os obstáculos que os órgãos de controle estão colocando no seu caminho, mas como conseguirá isso. Assim como o problema não é ter um governo ruim ou péssimo, como acreditam mais de 70% dos brasileiros, mas como esse governo foi eleito.

A presidente Dilma e seus apaniguados espalham nos últimos dias a insistente mentira de que está sendo armado um golpe antidemocrático para tirá-la do Poder, quando todos os movimentos feitos até agora seguem rigorosamente as normas constitucionais, assim como, liderado pelo PT, o Congresso impediu o então presidente Fernando Collor de continuar governando em 1992.

Ele mesmo lembrou outro dia à presidente, que afirma a todo instante que está legitimada pelo voto e não pode ser derrubada sem que isso consista em um golpe, que ele também tinha essa legitimidade das urnas e, no entanto, foi impedido de continuar governando.

A legitimidade da votação está intimamente ligada à legitimidade da campanha eleitoral, e caso fique provado que ela foi eleita utilizando-se de meios escusos, a legitimidade perde imediatamente sua consistência, transforma-se em usurpação de poder pelo abuso político ou econômico.

É para evitar que políticos de má-fé se aproveitem da democracia para erodi-la que existem os órgãos de controle, que averiguam se o governante da hora cumpriu todos os requisitos exigidos pela legislação eleitoral.

Um primeiro sinal de que alguma coisa nos bastidores se movimenta em favor do governo, não necessariamente de maneira legal, foram os encontros fora da agenda da presidente da República e do ministro da Justiça com o presidente do STF no Porto, em Portugal. Um mínimo de bom-senso indicaria a inadequação desse encontro num momento político conturbado, no mínimo para não parecer que conspiravam contra a democracia.

 Esta semana, a pretexto de comemorar o Dia do Advogado, a presidente convidou para um jantar no Alvorada todos os ministros do STF, que pode ser a instância final de recurso se eventualmente ela for punida por irregularidades.

O bom-senso esteve presente para a maioria dos ministros, que não compareceu à festividade. Cinco ministros, no entanto, aquiesceram, quando o normal em tempos de anormalidades é que designassem o presidente Ricardo Lewandoweski para representá-los.

Ontem, na sessão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que analisava um dos processos sobre as contas da chapa governista na campanha do ano passado, o ministro Luis Fux pediu vistas, interrompendo assim a tramitação do processo por tempo indeterminado. Adversários de Fux atribuem a seu interesse em ver a filha nomeada desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio a decisão de pedir vistas do processo sobre as contas da presidente. A votação está em 2 a 1 a favor da continuação das investigações das contas, e o ministro Gilmar Mendes deu ontem um duro voto criticando o pedido de arquivamento da ação pela ministra-relatora Maria Thereza, que, segundo ele, rejeitou o recurso do PSDB "sem instruir o processo, sem, portanto, sequer citar os investigados". O ministro foi além, dizendo que "a obrigação do TSE é evitar a continuidade desse projeto, por meio do qual ladrões de sindicato transformaram o país num sindicato de ladrões”.

Também ontem, o ministro Barroso, do STF, deu decisão que favorece Dilma fazendo com que a análise de suas contas seja menos controlada por Cunha. Barroso negou o pedido da senadora Rose de Freitas para anular a sessão da Câmara que aprovou as contas de Itamar, FH e Lula; segundo Rose, pela Constituição, as contas da presidente devem ser analisadas por sessão conjunta do Congresso, não por só uma das Casas. Barroso negou o pedido quanto as contas anteriores, mas decidiu que, a partir de agora, as próximas contas, como as de Dilma, sejam analisadas por sessão conjunta, presididda pelo presidente do Senado Renan Calheiros.

Ao mesmo tempo o Tribunal de Contas da União (TCU) deu mais 15 dias para que novas explicações de novas denúncias sejam dadas pela presidente. Só que as denúncias haviam sido feitas há cerca de 60 dias pelo Ministério Público, e não foram incorporadas ao relatório oficial do processo. O ministro Augusto Nardes ora dizia que as denúncias estavam incorporadas em seu relatório, o que não aconteceu, ora que recebeu o relatório do MP fora do prazo, ora que o havia mandado para o Advogado Geral da União (AGU), e com isso perdeu-se tempo.

O relator Nardes continua, porém, dizendo-se na posição de rejeitar as contas, e que novos bilhões de reais em irregularidades foram encontrados na prestação de contas. Ele esteve ontem no Rio para eventos da Olimpíada de 2016, e manteve contato com autoridades do governo do Estado, cujo governador Pezão está empenhado em ajudar a presidente Dilma a sair da crise política, agindo tanto no TCU quanto no TSE.

O Globo, 14/08/2015