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Semelhanças e diferenças

 

Continuando na análise sobre as semelhanças – e diferenças também – entre a Operação Lava-Jato, que acaba de produzir a condenação do presidente da Odebrecht, a maior empreiteira brasileira, a 19 anos de prisão, e a Operação Mãos Limpas, ocorrida na Itália nos anos 1990, a economista Cristina Pinotti, estudiosa do assunto, destaca entre as semelhanças, “além do terremoto político provocado pelas investigações, do uso intensivo das delações premiadas e das prisões cautelares como forma de desbaratar o esquema criminoso de corrupção”, também um forte apoio popular nos três primeiros anos da investigação na Itália.

Foram constantes, assim como acontece aqui, as críticas de que os promotores vazavam e investigavam seletivamente os políticos com objetivos de favorecer esse ou aquele partido (só os de extrema esquerda e extrema direita ficaram fora); acusações de que a dignidade dos investigados não estava sendo respeitada e que eles sofriam os efeitos da execração pública sem que pudessem se defender.

Cristina Pinotti ressalta que várias investigações foram feitas para verificar a lisura das investigações ocorridas na Procura di Milano, e nada foi encontrado de errado até hoje. Outra semelhança interessante, diz ela, é a da investigação dos crimes de corrupção ocorridos na loja maçônica P2 com os nossos casos Banestado e Mensalão.

A investigação da P2 ocorreu em 1981 e contou com a participação do Gherardo Colombo (junto com Giuliano Turone), que depois seria peça chave da força-tarefa da Mani Pulite. Descobriram-se provas de envolvimento em corrupção dos principais membros da loja, comandada por Lucio Gelli, e composta por ministros de estado, parlamentares, chefes de serviço secreto civil e militar, prefeitos, magistrados, oficiais do exército, generais dos Carabinieri e da Guardia di Finanza, além de jornalistas, empresário, magistrados, editores, etc.

As denúncias de corrupção tiveram enorme impacto, pois incluíam, entre outras, descobertas de contas secretas na Suíça da principal figura do Partido Socialista, Bettino Craxi e de outros socialistas. A reação foi de tal ordem que o caso passou da Procura de Milão para a de Roma, interrompendo “de fato”, o processo.

Mas a partir da P2 Colombo e outros estudaram com afinco os métodos de lavagem de dinheiro e as intrincadas operações financeiras usadas pelos corruptos para esconder o dinheiro, o que foi muito útil para identificar mais tarde os caminhos do dinheiro sujo na Mani Pulite.

Da mesma forma aqui a maior parte dos Procuradores do Ministério Público que atuam na Operação Lava-Jato, e até mesmo o Juiz Sérgio Moro, atuaram nos casos Banestado e Mensalão, e acumularam conhecimentos que estão sendo úteis agora na Lava-Jato.

“O fim da história nós sabemos: Berlusconi, grande amigo de Craxi, entrou em cena para reverter o quadro e melar o jogo. As leis hoje na Itália são mais lenientes com a corrupção do que no período anterior à Mani Pulite”, diz a economista. Ela salienta que, para evitar um final semelhante, é fundamental a iniciativa das 10 Medidas contra a corrupção, coordenada pelo Procurador Delton Dallagnol do MPF, que já recebeu mais de 1,5 milhão de assinaturas e será apresentada ao Congresso como um projeto de lei de iniciativa popular.

As diferenças entre a Mani Pulite e Lava Jato são favoráveis a nós, acredita Cristina Pinotti.  O cenário internacional mudou, e há hoje, no mundo, uma grande união em torno do combate à corrupção e lavagem de dinheiro. Os que atuaram na Mani Pulite tiveram enorme dificuldade em conseguir dados do exterior, o que hoje está sendo um pouco mais fácil para nós.

O clima de violência na Itália antes da Mani Pulite (terrorismo, atentados, muitas mortes) marcou dramaticamente a sociedade. Os vários suicídios entre os acusados também contribuíram para assustar a população e minar o apoio às investigações. Não temos a Máfia, que lá permeia a vida e a mente das pessoas, tornando-as subservientes e amedrontadas.

A presença do Estado é mais forte lá do que aqui, o que reduz comparativamente a amplitude dos desvios de conduta por aqui. Critérios meritocráticos ainda estão mais presentes aqui do que lá, acredita a economista, por mais incrível que pareça. Para fazer uma palestra sobre as lições que a Mani Pulite tem a nos ensinar, Piercamillo Davigo, atual juiz da Suprema Corte da Itália e Gherardo Colombo, atualmente presidente da editora Garzanti, dos dois principais juízes que atuaram no caso, farão uma palestra em São Paulo no dia 29, com a presença do juiz Sérgio Moro.  
 

O Globo, 09/03/2016