A maior demonstração de que os vícios da velha política permanecem intactos num Congresso que se orgulha de ser “reformista” é a decisão de cortar verbas de impacto social, como para educação e saneamento, a fim de mais que dobrar o fundo eleitoral para a campanha das eleições municipais do ano que vem. Prejudicando o futuro dos cidadãos em troca de um presente viciado.
Um país que acaba de sair em estado lastimável do exame internacional Pisa, que mede a proficiência dos estudantes em leitura, matemática e ciências, precisa desesperadamente de uma política educacional. Retirando verbas da educação, estamos levando uma geração de brasileiros a continuar sem condições mínimas de entender o que estuda, sem os instrumentos adequados para escolher futuramente um candidato.
Transformar o financiamento público de campanhas eleitorais em pretexto para reduzir os gastos sociais no orçamento federal é o típico comportamento de políticos que vivem numa redoma, descolados da sociedade que representam.
A esquerda alega que criticar o valor gasto em eleições é criminalizar a política. A direita trabalha para a volta do financiamento privado. Todos se vêm como servidores públicos injustiçados pelas críticas, e gostariam que mais que dobrar a verba para suas campanhas eleitorais fosse visto pela sociedade como um investimento na democracia.
Deputados e senadores que recuperavam a imagem do Congresso tomando as rédeas para a aprovação de reformas fundamentais para o país, usaram esse controle para se unir como raramente fazem para avançar sobre o cofre público.
O aumento sugerido, de R$ 1,7 bilhão na eleição de 2018 para R$ 3,8 bilhões agora, foi um pedido de nada menos que 13 partidos (PT, PSDB, MDB, PSL, PSD, Solidariedade, DEM, Republicanos, PSB, PDT, PTB, PP e PL). O aumento escandaloso foi feito a conta gotas. O governo previu no orçamento da União R$ 2,5 bilhões para financiar campanhas de candidatos a prefeituras e câmaras municipais nas eleições do ano que vem, um aumento de 48% em relação ao que foi gasto em 2018.
O argumento inicial era de que as eleições municipais são mais amplas, e exigiriam mais dinheiro que uma eleição presidencial, de deputados federais e estaduais e senadores. Não satisfeitos, os políticos encontraram um jeito de mais que dobrar o fundo, para R$ 3,8 bilhões, e para tal aberração foram buscar em áreas do orçamento o dinheiro que lhes faltava.
E capricharam na escolha. Os maiores cortes foram em saúde (R$ 500 milhões), infraestrutura e desenvolvimento regional, inclusive verbas para habitação e saneamento, (R$ 380 milhões de reais), educação (R$ 280 milhões de reais).
O aumento, já aprovado em comissão, ainda tem de ser votado no plenário em reunião conjunta do Congresso. Se confirmado, as duas maiores bancadas, PT e PSL, juntas, terão quase R$ 800 milhões do fundo eleitoral, cerca de 20% do total para distribuir aos seus candidatos a prefeito e vereador.
É claro que é mais fácil aumentar o sangramento do orçamento público do que montar uma legislação que permita o uso de financiamento privado junto com o público, com regras de controle rígidas, para que não se repita a corrupção desenfreada que dominava nosso sistema eleitoral até recentemente.
Para coibir a roubalheira privada, aumenta-se o saque ao orçamento público, como se não prejudicasse o país da mesma maneira. Especialmente num momento em que se pede sacrifícios à população.
A campanha eleitoral de 2018 foi exemplar de como se pode fazer política com um custo reduzido, e parecia ter sido uma experiência exitosa. Mas os parlamentares não se contentam com pouco, e alegam que limitar os gastos eleitorais é um crime contra a democracia.
Teremos, ao final, mais uma crise, pois o líder do governo Fernando Bezerra garantiu que o presidente Bolsonaro vetará qualquer aumento acima de R$ 2,5 bilhões.