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A reta final

 

A partir de hoje o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal entra na sua fase decisiva, quando estará em discussão, provavelmente na sessão de amanhã, a questão da admissibilidade dos embargos infringentes, que permitiriam que o STF rejulgue a causa naqueles pontos em que condenados obtiveram ao menos 4 votos a favor. Se a discussão dos poucos embargos de declaração que restam se prolongar, a questão ficará para as sessões posteriores ao 7 de Setembro, que poderá ser marcado por grandes manifestações pelo país.

O debate deve ser feito dentro do seu contexto normativo. O atual regimento interno do Supremo foi editado em 1980, quando vigorava a Carta de 1969, outorgada pelos chefes militares, travestida de emenda. Ela deu ao STF, e só a ele, o poder normativo primário de que jamais o Supremo dispôs em toda sua história constitucional. Esse poder dava condições ao STF de legislar mediante o seu regimento interno sobre matéria processual, que é matéria própria do Congresso, inclusive definindo regras pertinentes a ações penais originárias, como a Ação Penal 470, ou a causas de natureza recursal.

O STF, investido dessa competência normativa primária, formulou várias regras no seu regimento interno e criou novos recursos, como, por exemplo, possibilidade de embargos infringentes oponíveis a acórdãos condenatórios do Supremo.

Quando sobreveio a Constituição de 1988, esse poder cessou, tanto que num debate havido no plenário do Supremo o próprio ministro Joaquim Barbosa disse que a norma regimental deveria ser revogada diante da nova legislação, e Celso de Mello advertiu que o STF não podia mais fazê-lo, porque essa norma regimental contém conteúdo materialmente legislativo, e agora essa tarefa cabe apenas ao Congresso Nacional.

Por isso é que o Congresso, em 1990, editou a Lei 8.038, que dispôs sobre esse tema. O STF inclusive admitiu embargos infringentes, de modo legítimo, contra acórdãos proferidos em ações diretas de inconstitucionalidade (Adin). Mas posteriormente, em 1999, o Congresso editou uma lei que disciplinou a questão no Supremo, suprimindo os embargos infringentes em matéria de Ação direta de inconstitucionalidade.

Esse mesmo regime jurídico que vigorou sob a Carta de 1969 permitiu que o STF, ao dispor sobre os chamados embargos de declaração, afastasse-se do Código de Processo Penal, lei que estabelece o prazo de dois dias para a interposição dos embargos, e o STF estabeleceu cinco dias em matéria penal. O Supremo podia fazer isso porque o fundamento dessa competência normativa do STF residia essencialmente no texto da Constituição então em vigor. Hoje o STF não pode mais nem sequer reduzir a dois dias o prazo da lei, pois agora a matéria compete só ao Congresso.

O STJ, por exemplo, que foi criado pela Constituição de 1988, editou seu regimento interno e copiou o prazo de embargos de declaração do regimento interno doSTF, definindo que seria de cinco dias, não importando se em matéria civil ou criminal. Mas os ministros do STJ perceberam que não podiam fazer isso em matéria criminal, e, em 1994, o STJ emitiu emenda regimental dizendo que os embargos de declaração teriam prazo de cinco dias em matéria civil, mas em matéria criminal o prazo é de apenas dois dias, conforme prescreve o Código de Processo Penal.

A norma regimental, fundada no artigo 333 inciso 1 do regimento interno do Supremo, que prevê a possibilidade dos embargos infringentes, foi recebida pela atual Constituição com força de lei, por isso só através de leis pode ser revogada, ou expressamente, como já aconteceu com a lei que disciplina o julgamento das Adin, ou tacitamente, como parece ser o caso.

A Lei 8.038 disciplina, sim, juridicamente ordem processual das ações penais originárias tanto do STF quanto do STJ, e não previu recorribilidade às decisões de única instância dos tribunais superiores, em matéria penal. E, não o tendo feito, na interpretação que hoje parece ser majoritária no plenário do STF, a disposição regimental constante do art. 333, I, cai por terra, revogada nos termos do § 1º, do art. 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: "A lei posterior revoga a anterior (...) quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior".

O Globo, 4/9/2013