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Reforma da crise

 

O sentimento de confronto com o PT, e o enfraquecimento do governo em meio à dupla crise econômica e política, está levando a uma tendência majoritária no Congresso de aprovação de uma reforma política que resgate a credibilidade dos parlamentares.
 
Decisões polêmicas como o voto facultativo, a limitação de partidos políticos, o corte de verbas e proibição do uso de propaganda no rádio e televisão por partidos que não atingirem determinado volume de votação, a restrição ao financiamento eleitoral privado por empresas, tudo está em discussão com boa chance de resultar em uma reforma digna desse nome.

A reforma que começará a ser analisada por uma comissão controlada pela oposição vai no sentido inverso do que o PT prega, rejeitando o voto em lista e o financiamento público de campanha. É perceptível uma maioria se formando para a aprovação do voto majoritário para deputado federal, o chamado distritão, que não precisa de muita explicação para o eleitor: os mais votados são eleitos, preenchendo as vagas a que cada Estado tem direito.

O embrião do distritão já está registrado no relatório de um grupo de trabalho da Câmara que apresentou proposta em 2013. O PT, naquela ocasião, ainda tinha força para barrar propostas das quais discordava, e o projeto só agora será resgatado pela Comissão aprovada pelo presidente da Câmara Eduardo Cunha. A idéia do distritão é do Vice-Presidente da República, Michel Temer, e por isso tem o apoio do PMDB.

O deputado Miro Teixeira já está apanhando assinaturas para apresentar uma emenda com a proposta do distritão, e rebate a tese de que esse sistema enfraquece os partidos políticos, tornando a eleição personalista. Segundo ele, os partidos políticos poderão se concentrar no lançamento de candidatos expressivos em todos os segmentos da população, sem a preocupação de alcançar o número máximo permitido por lei.

Com o voto proporcional hoje em vigor, os partidos buscam não apenas candidatos com potencial de votos, mas também os que podem ter 2 a 3 mil votos para se somarem ao final, em busca do quociente eleitoral, o número mínimo que elege parlamentares em cada Estado.
 
O voto majoritário acabaria com as injustiças de eleger deputados com votação ridícula, como quatro do Prona que foram eleitos em 2002 com pouco mais de 600 votos devido à votação de Enéas, que recebeu 1.573.642 naquela eleição. Ao contrário, a injustiça do sistema ficou exposta quando o advogado Marcelo Cerqueira foi um dos dez mais votados no Rio e não se elegeu deputado federal na Constituinte por que o Partido Socialista Brasileiro não atingiu o quorum necessário para eleger um deputado.

O caso atual é o do deputado federal Tiririca, do PR, que com pouco mais de 1 milhão de votos, elegeu sozinho dois deputados, além de si próprio. Seu caso e o de Celso Russomano, que elegeu mais quatro deputados, são exemplos de que nem mesmo o fim das coligações proporcionais resolveria essa distorção, pois seus partidos não fizeram coligação.

Com o distritão, seria possível que partidos saíssem a cata de Tiriricas, mas não existem tantos assim no mercado eleitoral, e a direção partidária terá que se preocupar com o conjunto da obra. O milhão de votos de um Tiririca só servirá a ele, enquanto que candidatos com mais peso político podem ser mais eficazes para fortalecer as teses partidárias.

A tentação de um político “bom de voto” lançar seu próprio partido e ganhar um mandato independente não tem respaldo na realidade e nem na legislação que se pretende aprovar. Um político de expressão eleitoral só vai para um partido pequeno em último caso, pois perderia o direito a voto de liderança, participar de comissões, e outras posições de prestígio parlamentar.

Além do mais, pretende-se aprovar cláusulas de desempenho que não impediriam os partidos que não as atingissem de ter representação no Congresso, mas eles não teriam direito a tempo de propaganda de rádio e televisão e nem ao fundo partidário, o que lhes tiraria o atrativo principal.
 
Uma ideia que cresce entre os parlamentares, apoiada pelo presidente da Comissão, deputado Rodrigo Maia, é limitar os custos das campanhas eleitorais, aprovando uma legislação que incentive o debate de idéias nos programas eleitorais, e impeça a utilização de efeitos especiais. Maia acha que o financiamento privado não deve ser proibido, mas restringido. Por exemplo, empresas que tenham vínculos com governos não poderiam fazer doações.

Quanto maior a crise, mais favorável fica o ambiente para a aprovação de uma verdadeira reforma política que melhore a imagem do Congresso, diz Rodrigo Maia.

O Globo, 11/02/2015