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Questão de tom

 

O que pode definir essa eleição presidencial é a capacidade da dupla Eduardo Campos/Marina Silva de assumir a condição de oposicionista no primeiro turno, mas, sobretudo, num eventual segundo turno da eleição presidencial, caso quem vá para a disputa com a presidente Dilma Rousseff seja o candidato do PSDB Aécio Neves. Isso por que no caso de a dupla Campos/Marina chegar ao segundo turno, o apoio do PSDB será praticamente automático, a não ser que algum percalço durante a campanha o inviabilize, o que é improvável.

Há diversos fatores diferentes nesta eleição para a de 2010, a começar pela situação econômica do país. Mesmo que a economia não se deteriore a ponto de por si só derrotar a candidatura governista, não estaremos em situação nem mesmo próxima à que estávamos na última eleição presidencial, quando o PIB cresceu 7,5%.O então presidente Lula gozava de um prestígio popular tão grande que lhe permitiu tirar da cartola uma ilustre desconhecida para eleger presidente. Mesmo assim, Dilma foi menos votada que Lula em todas as regiões do país, com exceção da Região Sul, onde manteve o mesmo patamar de 44% dos votos, e foi para o segundo turno.

Até mesmo nas regiões onde teve votações avassaladoras, garantindo a vitória, Dilma teve menos votos: Lula teve 77,2% no nordeste e Dilma 70,6%, e no norte Lula teve 65,5% contra 57,4% de Dilma. É verdade que Dilma venceria Serra mesmo descontados os votos do norte e nordeste, mas a diferença seria de apenas 0,25%. No norte e nordeste, Dilma tirou uma vantagem de nada menos que 11.777.817 votos. A diferença a favor de Dilma é que ela tem instrumentos para influir na disputa eleitoral e transformou-se em uma presidente bem avaliada, apesar do baque na popularidade que sofreu após as manifestações de junho.

Há, porém, diferenças sensíveis no quadro atual, a favor da oposição. O PSDB espera tirar de 3 a 4 milhões de votos de diferença em Minas, onde Dilma venceu por uma diferença de 1.797.831. Minas pode ser para Aécio quase como São Paulo foi para Fernando Henrique nas duas eleições em que venceu Lula no primeiro turno, tirando uma vantagem de cerca de 5 milhões de votos em 1994 e 1998.
Essa diferença a favor dos candidatos tucanos, porém, vem se reduzindo em São Paulo: Alckmin venceu em 2006 por 3,8 milhões e Serra em 2010 por 1.846.036, além do que em 2014 o PT estará fortalecido por ter vencido a prefeitura de São Paulo.

Até mesmo no norte e nordeste a situação da presidente Dilma deve ser mais difícil, pois a oposição está mais bem representada em estados como Amazonas, com a vitória de Arthur Virgilio para a prefeitura de Manaus; em Pernambuco, com a candidatura de Eduardo Campos; e na Bahia, onde o DEM venceu a prefeitura de Salvador e há uma dissidência importante do PMDB com Geddel Vieira Lima.
Nesses três estados, Dilma teve quase 6 milhões de votos de diferença a seu favor, o que pode não acontecer em 2014. Desde 1994 a diferença entre o vencedor e os demais contendores tem ficado na base de 5% dos votos no primeiro turno, seja quando Fernando Henrique venceu direto, seja quando as oposições levaram a eleição para o segundo turno. No segundo turno, fosse qual fosse o candidato, o PSDB teve cerca de 40% de votos, sendo que em 2010 essa marca subiu para cerca de 45%. Com uma diferença crucial: em todas as eleições, candidatos adversários como Ciro Gomes e Garotinho aderiram a Lula no segundo turno, contra o PSDB, e na eleição de 2010 Marina Silva ficou neutra, tendo feito uma campanha que dificilmente poderia ser taxada de oposicionista.

A mudança de postura de Marina desta vez, e seu acordo com o governador de Pernambuco Eduardo Campos, indicam que os dois estão dispostos a assumir uma candidatura oposicionista, se colocando mais próximos do PSDB nas questões econômicas.
Ontem Marina disse que a marca do governo Dilma é o retrocesso na economia, e defendeu o tripé econômico dos governos de Fernando Henrique, mantido por Lula até a saída do ministro Antonio Palocci: equilíbrio fiscal nas contas públicas, câmbio flutuante e metas de inflação.

Segundo a aliada de Eduardo Campos, a política econômica de Dilma vem sendo praticada ‘com alguma negligência em função da ansiedade política’. A questão é que os dois temem ser taxados de “traidores” do ex-presidente Lula, como já estão sendo tratados pelos petistas. E Dilma vem recuperando sua popularidade no ritmo suficiente para se manter como favorita.

O Globo, 15/10/2013

O Globo, 15/10/2013