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Questão de prioridades

 

Quando o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, anunciou que “apertaria” o governo federal para que adotasse uma política de subsídio a fim de tentar reduzir o preço dos combustíveis ao consumidor final, estava dado o sinal de que as prioridades de deputados, e certamente senadores, às vésperas das eleições de outubro são relacionadas a atos populistas que nada têm a ver com políticas públicas ou programas de governo.

Segundo Lira, a medida é “importante, todo mundo está fazendo. Os governos dos países mais avançados estão dando subsídio para a alta dos combustíveis, que é um problema mundial e interfere na vida de qualquer brasileiro”. Ele apenas não lembrou que o governo brasileiro já teve um programa de incentivo ao etanol e, se tivesse seguido em frente, poderíamos hoje ter um combustível menos poluente a preços mais baixos, pois não dependeríamos do preço do barril de petróleo no mercado internacional.

Ao contrário, já poderíamos ter uma produção de etanol que ganharia o mercado internacional. Os carros flex, uma inovação que já estava bastante avançada no Brasil, agora ganham escala internacional na indústria automobilística. O presidente da Toyota apresentará ao presidente Bolsonaro as novidades de sua companhia, entre elas um carro flex, além de um elétrico. Essa nossa defasagem tecnológica num campo em que éramos pioneiros, com abundância de terra para plantar cana-de-açúcar, não é culpa de Bolsonaro, é verdade.

Com a descoberta do pré-sal, o governo Lula embriagou-se com o petróleo, imaginou que seríamos uma Arábia Saudita e descuidou do combustível do futuro. Também temos boas condições para a energia eólica, à base do vento, mas buscar energias renováveis não é uma prioridade do governo, que agora, em ano eleitoral, subsidiará a gasolina das classes média e alta e o diesel dos donos de caminhão, um evidente movimento populista que não tem nada a ver com os interesses do país no futuro.

Mas, voltando ao “aperto” que Lira quer dar no governo, esse é apenas mais um sinal de que quem dá o norte das prioridades governamentais são os políticos do Centrão, neste momento mais interessados em se viabilizar nas eleições do que em apoiar programas que liguem o país ao futuro. Ao contrário, parecem mais interessados em que as coisas fiquem como estão.

Apenas seis das 45 propostas enviadas pelo governo ao Congresso no último ano foram adiante, embora ele tenha, em teoria, o controle da maioria. É uma mostra de como o Congresso domina a pauta do governo, de que o Executivo não tem mais força para levar adiante as suas prioridades. Do grupo aprovado, duas interessavam ao governo diretamente: o ICMS do diesel e o Auxílio Brasil, que virou permanente. Mas interessavam também aos parlamentares, por isso foram aprovadas.

As outras pautas importantes para o governo, como privatização dos Correios ou liberação de armas, ficaram na gaveta, não acontecerão porque não são prioritárias para deputados e senadores. No caso das armas e de outras pautas de costumes, ainda bem que a maioria não está preocupada com elas. A definição do que seja prioritário passou a ser da Câmara, e são os ministros que procuram os congressistas para obter apoio a suas medidas.

Não seria criticável se o Congresso não estivesse em modo populista permanente. Depois de julho, quando todos saem para fazer campanhas, e por causa da legislação que proíbe qualquer tipo de medida governamental que possa ser interpretada como eleitoral, pouca coisa acontecerá. Faltam dois meses para assuntos importantes ao governo serem aprovados, e não há mobilização para isso.

Agora mesmo já estão todos mais envolvidos com suas campanhas que com assuntos do governo. Se já estivesse em vigor a lei que proíbe medidas governamentais que possam interferir nas eleições, essas decisões populistas de aumento de gastos não estariam sendo aprovadas. Todo candidato a presidente da República quer preços baixos e inflação controlada, mesmo que por meios artificiais, como controle de preços e subsídios. Mas governos que pensam no longo prazo não caem na tentação imediatista apenas para ganhar eleição. Mesmo porque o que Bolsonaro está fazendo é um tiro no próprio pé, caso seja reeleito. Mais parece que está empenhado em complicar o governo do sucessor. Por isso foi criada a Lei de Responsabilidade Fiscal: para impedir que os incumbentes arrasassem os cofres públicos para eleger seus sucessores ou para atrapalhar a próxima administração oposicionista.

O Globo, 02/06/2022