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Questão de prioridade

 

A reação negativa da opinião pública com o aumento do fundo eleitoral para a campanha municipal do próximo ano já está provocando uma movimentação entre os parlamentares para tentar demonstrar que nenhuma área fundamental do serviço público será afetada, como se teme.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, chamou a atenção para a importância desse esclarecimento, “narrativa” que considera a mais importante. Maia acrescentou que “independentemente do valor, (...) o importante é que você mostre à sociedade que isso não está sendo em detrimento de nenhuma área fundamental do orçamento público”.

De fato, o caso é menos escandaloso do que parecia, mas ainda assim merece críticas que devem ser levadas em conta quando a Lei Orçamentária Anual (LOA) for debatida para aprovação final de deputados e senadores.

O que há até o momento é uma proposta de orçamento da Comissão Especial Mista. As verbas para educação, saúde, saneamento, cortadas na proposta que veio do ministério da Economia, serão realocadas pelos próprios parlamentares, um procedimento que é seguido desde 2006, para que o orçamento possa contemplar as emendas dos relatores setoriais (55%), emendas de bancadas (25%), emendas de comissão (15%) e emendas do relator-geral (5%).

Depois que as emendas parlamentares passaram a ser impositivas, o orçamento apresentado pelo governo transformou-se em uma proposta que pode ser modificada pelos parlamentares.  O relator, deputado Domingos Neto, garante que o aumento do fundo partidário não retirou verba de nenhum setor do governo, muito menos da área social.

O que aconteceu, segundo ele, é que na proposta do ministério da Economia não estava previsto um excedente de R$ 7 bilhões de dividendos das estatais, o que deu margem para aumentar o fundo partidário em R$ 1,5 bilhão.

O fundo, que serve para financiar as campanhas eleitorais e é distribuído proporcionalmente à bancada eleita dos partidos em 2018, já havia recebido um reforço do governo de cerca de 50% em relação ao gasto na eleição de 2018, e foi turbinado com esse dinheiro dos dividendos das estatais, passando a ser de R$ 3,8 bilhões para as eleições municipais.

O deputado Rodrigo Maia, ao mesmo tempo em que adverte que é preciso esclarecer à sociedade de onde vem o dinheiro, faz uma ressalva: “Eleição é cara, é preciso financiar a democracia”. Reflete a posição da maioria de seus colegas, já que nada menos que 13 partidos votaram a favor do aumento do fundo eleitoral.

A questão a ser discutida é por que deputados e senadores consideram o aumento do financiamento da eleição prioritário em relação aos setores carentes do país, como, nunca é demais repetir, saúde, educação, saneamento?

É mais fácil explicar a blindagem que o presidente Jair Bolsonaro fez nas áreas de defesa e ciência e tecnologia na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Ele protegeu essas áreas, que tocam projetos estratégicos como o submarino nuclear, a compra dos caças FX-2, que não poderão ser contingenciadas.

O ministério da Ciência e Tecnologia, que teve uma redução orçamentária, em compensação poderá usar toda sua verba sem perigo de contingenciamento, o que garantirá que este ano, por exemplo, as bolsas de estudos serão pagas em dia. É o drama do cobertor curto, diante de tantas necessidades prioritárias num país que está em depressão ou estagnado.

O relator da Comissão Mista, deputado Domingos Neto, define assim a questão: “O governo agora tem que entender que o Orçamento é do Congresso, e não do Planalto”. E os parlamentares têm que entender que serão os culpados por distorções no orçamento, e muita gente pode continuar acreditando que esse R$ 1,8 bilhão de excedentes dos dividendos das estatais seria mais bem aplicado em setores essenciais como saúde, educação, saneamento. Ficando de tamanho razoável um fundo eleitoral de R$ 2,5 bilhões proposto pelo governo. E a realocação das verbas para os setores sociais sensíveis terá que ser feita de maneira criteriosa, inclusive os R$ 5,2 bilhões que sobraram dos dividendos. 

O Globo, 07/12/2019