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Qual independência?

 

O brado de dom Pedro I no 7 de setembro sintetiza um desafio que também aparece em lemas, em canções, em hinos, em poemas: ou a liberdade ou a luta, luta encarniçada, mortal. É algo universal: se vocês entrarem no Google e digitarem a (aproximada) versão em inglês desta expressão, “freedom or death”, aparecerão nada menos de 68 milhões de referências, que incluem o título de um livro do grego Nikos Kazantzakis (autor de Zorba, o Grego), o nome de uma banda, e a inscrição de uma camiseta apreendida no aeroporto de Londres sob a alegação de que incitava ao terrorismo. “Independência ou morte” expressa o indignado desejo coletivo de um país, de um grupo humano; no caso de dom Pedro havia também o drama pessoal, desencadeado pela carta recebida junto ao Ipiranga, em que o pai lhe ordena que retorne a Portugal. O príncipe era muito jovem e tinha emoções à flor da pele – suas paixões eram célebres. Certamente, e quem sabe movido por um sentimento edipiano, tomou a determinação paterna como medida opressora, tirânica. E, aí, sacou a espada e soltou seu brado, aclamado entusiasticamente pela comitiva; o povo, como de costume, não estava presente.


Surge a pergunta: o Brasil estava, de fato, independente? Aparentemente, sim: os laços com a Coroa portuguesa haviam sido cortados (ironicamente o imperador, como Pedro IV, assumiria anos mais tarde o trono de Portugal). Mas o domínio político luso havia sido apenas substituído pelo mais sutil domínio britânico, que se exercia no plano econômico; os produtos ingleses vendidos no Brasil custavam muito caro; declinou a produção de artigos de exportação, cacau, algodão, café; a dívida externa cresceu e também a inflação. A oposição a dom Pedro aumentava e ele teve de deixar o trono.


Isto nos faz pensar que há duas formas de proclamar a independência. Uma é a forma súbita, o gesto ousado, destemido: dê-me a independência ou lutarei por ela até a morte, se for preciso. A cena do Ipiranga tem correspondência em muitos lugares: na casa, quando o filho diz aos pais que não quer mais receber ordens; no emprego, quando o empregado diz desaforos para o patrão.


O gesto é coisa de minutos: o tempo de ler a carta, de puxar a espada de soltar o brado. A vida, não. A vida é lenta, e feita mais de rotinas do que de rupturas. E é ao longo da vida que temos de, aos poucos, nos tornar independentes. Isso é feito sem arroubos, sem gritarias; depende basicamente de um processo de autoconhecimento, pelo qual identificamos, em nós mesmos, aqueles mecanismos que nos tornam dependentes de outros, dos pais, dos cônjuges, dos chefes. A independência ocorre num 7 de setembro, mas também num 8, num 9, num 10, em muitos meses, em muitos anos. E ela surge em silêncio, às vezes acompanhada de lágrimas, às vezes de sorrisos. A independência tarda. Porém, ao fim e ao cabo, é sempre gloriosa.


Zero Hora (RS), 7/9/2010