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Próximo da cassação

 

Com 258 deputados federais declarando o voto pela cassação do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, um a mais do que o número mínimo necessário, sua sorte parece estar selada inapelavelmente. Como o presidente da Câmara Rodrigo Maia já disse que, ao contrário do que fez o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, vai deixar que o plenário decida sobre eventuais destaques ou emendas ao parecer favorável à cassação, tudo indica que não haverá espaço para que os defensores de Cunha encontrem uma brecha para alterar esse veredito.

Mas, como vimos na decisão de Lewandowski, nunca se sabe o que está para sair do bolso do colete de nossos representantes. A explicação repetida por assessores do STF e do Senado de que o presidente do Supremo apenas seguiu o que já havia feito na etapa anterior, isto é, acatar destaques, um direito de todo parlamentar ao analisar uma proposição, serve apenas para dar um ar de legalidade ao que foi uma manobra de bastidores combinada com bastante antecedência.

Se foram aceitos destaques no parecer do relator Antonio Anastasia na ocasião da pronúncia, não quer dizer que o presidente Lewandowski fosse obrigado a aceitá-los na fase final do julgamento, até mesmo porque ali se tratava de um texto da Constituição, e não de um parecer ou de uma proposição.

O raciocínio de Fernando Bandeira de Mello Filho, secretário‐geral da Mesa Diretora do Senado, explicitado no programa Entre Aspas de Monica Waldvogel na Globonews, de que a lei do impeachment de 1950 falava em duas penas, e não em uma como diz o artigo 52 da Constituição de 1988, é de um contorcionismo jurídico espantoso, pois nenhuma lei ou regimento interno está acima da Constituição. Essa parte da lei simplesmente não foi recepcionada pela Constituição.

Em seu parágrafo único, está expresso no artigo 52: “Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”.

Ele alega que esse “limitando-se a condenação” dá margem a que os juízes, ou seja, os senadores, fizessem uma dosimetria, aplicando apenas a perda do cargo, e não a inabilitação. Mas não é isso o que está escrito no artigo 52, pois a preposição “com”, como bem define o professor Evanildo Bechara da Academia Brasileira de Letras, um dos maiores gramáticos do país, estabelece uma relação de conjunto que não pode ser separada.

Seu sentido é fixado pela conjunção de todos os elementos que ela une. Como exemplo, ele lembra que a preposição “com” é mais forte do que “e” na ligação de dois elementos, coisas ou pessoas, e indica ação: corta-se o bolo com a faca. Sem a faca, o bolo não pode ser cortado, assim como a perda do cargo prevista na Constituição não pode se dar sem a inabilitação para a função pública.

No caso da cassação do mandato de um deputado, não existe a possibilidade, por maior que seja o contorcionismo, de que seja aplicada uma pena mais branda, como querem seus defensores. A pena mais branda de suspensão, em vez da perda do mandato, simplesmente não está prevista no regimento, mas sempre é possível que, através de uma emenda ao parecer do relator, se tente a amenização do castigo.

A consequência da perda de mandato é tornar-se inelegível devido à Lei da Ficha Limpa, já a pena de suspensão dará a Eduardo Cunha a chance de se candidatar novamente em 2018. O clima político não parece favorável a uma benevolência como essa, e o fato de que a maioria dos deputados federais consultados pelos jornais demonstrou disposição de estar em Brasília na próxima segunda-feira para cassar o mandato de Cunha indica que eles já sentiram em suas bases que qualquer outra atitude não será bem aceita pela sociedade. 

Correção

Na coluna de ontem escrevi que uma maioria simples derrubou a inabilitação para função pública da presidente cassada Dilma Rousseff. Na verdade, a maioria votou pela inabilitação, como mandava a Constituição, mas como não foi alcançado o quorum de 2/3 de votos, Dilma foi liberada. 

O Globo, 08/09/2016