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Policiamento democrático

 

A dificuldade em atuar na repressão a atos de vandalismo dentro das estritas normas legais, flagrante no decreto que criou no Rio de Janeiro a Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas (CEIV), precisa ser superada com a adoção das melhores práticas já utilizadas em outros países.

O governo do Estado do Rio teve que agir com rapidez diante da reação de juristas e organismos de defesa do cidadão que consideraram inconstitucionais várias partes do decreto. Ficou claro, na nova versão, que a Comissão não tem o direito de quebrar sigilos, o que só acontecerá se aprovado pela Justiça.

Ontem tratei da existência de diversos manuais de associações de polícias sobre o controle de manifestações de massas que o cientista político Geraldo Tadeu Monteiro selecionou em uma pesquisa, manuais que desejam conferir mais eficácia à ação policial, respeitando o direito do cidadão à livre manifestação pacífica. Os princípios do policiamento democrático de manifestações de massa, por exemplo, são os seguintes, de acordo com a polícia britânica, conforme o Manual of Guidance on Keeping the Peace, da NPIA (Agência Nacional para melhoria no policiamento) e ACPOS (Associação dos chefes de polícia da Escócia):

a) Polícia acessível, imparcial e que busca o consenso; b) Diálogo e sinceridade na relação com os manifestantes, além derelação positiva com a Imprensa; c) Um comando preparado e resistente (à provocação); d) Respostas apropriadas e proporcionais (respeito aos direitos humanos, uso de inteligência com recurso a especialistas e uso mínimo da força).

Um trabalho do diretor do Police Executive Research Forum (PERF) Tony Narr e diversos especialistas, do qual falei ontem, aponta maneiras de enfrentar movimentos de massas com êxito, sem ferir os direitos dos cidadãos de se manifestar. O Police Executive Research Forum, com sede em Washington é uma organização sem fins lucrativos fundada em 1976 que dá assistência técnica e educação executiva a polícias e outros organismos de aplicação da lei.

O manual analisa especificamente o controle de multidões e uso da força, indicando a necessidade de prévia identificação de grupos potencialmente disruptivos. Ao mesmo tempo, é preciso facilitar a manifestação pacífica e estabelecer comunicação com a multidão através de seus líderes e obtenção do reconhecimento da multidão:

"Especialmente nessas situações, é crucial tratar as pessoas com respeito e conquistá-las para o lado do respeito à lei, não para o lado dos que promovem o conflito", ressalta Tony Narr, diretor do PERF.

As prisões podem ser utilizadas “com parcimônia e de maneira apropriada” com técnicas de pressão pontual, junto com controles 'com mãos nuas' (empty-hand controls), algemação eficiente e métodos de acompanhamento de presos devem ser incluídos para remover com respeito (humanely) os manifestantes enquanto minimiza-se o risco de ferimento a manifestantes e policiais.

O uso da força deve ser estritamente regulado. "A teoria de um uso gradativo da força em resposta à escalada da desordem é baseada naquilo que é razoável e apropriado". Os autores observam que a escalada da violência é um dos objetivos de alguns manifestantes que, assim, podem "denunciar" o caráter repressivo do governo.

Até os equipamentos de proteção devem ser pensados: "A imagem de um 'Robocop' pesadamente protegido (...) pode ter um efeito negativo no público que pode achar que a polícia está usando mão-pesada e reagindo de maneira desproporcional”.

O uso de armas não-letais deve ser estritamente regulado pelas seguintes diretrizes: a) tem que ser proporcional à ameaça; b) seu uso deve cessar assim que o objetivo for atingido; c) o uso deve ser autorizado pelo comando; d) os agentes que usam esses equipamentos devem estar plenamente e regularmente treinados para avaliar as consequências do seu uso.

O manual recomenda ações voltadas à interação com a mídia para alcançar os objetivos da ação policial. É preciso haver uma estratégia de mídia, com informações para jornalistas e para o público, buscando minimizar eventuais prejuízos aos cidadãos, dar informações seguras, estabelecimento de centros conjuntos de informação, realização de coletivas e atividades pós-evento com relatórios e prestações de contas ao público via imprensa.

O Globo, 25/7/2013