Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > A peculiaridade da autonomia da Fapesp

A peculiaridade da autonomia da Fapesp

 

Nesta semana, como uma prática regular, hoje contemplada pela Constituição paulista, irei, na condição de presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, à Comissão de Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa para a prestação anual de contas do trabalho realizado pela Fapesp. Pretendo destacar como os resultados da atuação da instituição têm a sua base nos instrumentos legais que regem a sua governança, para as quais o Legislativo deu constitutiva colaboração em fecunda interação com o Executivo e a comunidade acadêmica.

A Constituição paulista de 1947 previu, no artigo 123, que o Estado teria uma fundação dotada de autonomia para apoiar a pesquisa. A Lei 5.444, de 1959, promulgada pelo governador Carvalho Pinto, pôs em marcha a execução do dispositivo constitucional contemplando a criação da fundação no âmbito do seu Plano de Ação, inserindo-a entre os objetivos para a "melhoria da condição do homem". Na sequência dessa visão da pesquisa para a melhoria da condição do homem, em outubro de 1960 o governo Carvalho Pinto promulgou a Lei 5.918, que criou a Fapesp, regulamentada pelo Decreto n.º 40.132, de maio de 1962, data do início efetivo das suas atividades.

Cabe destacar tanto a antevisão da importância da pesquisa, tendo em vista a velocidade com que se amplia o repertório do conhecimento alterando a condição da vida em sociedade no mundo contemporâneo, quanto a precisão inovadora conferida ao significado e ao alcance do conceito "amparo à pesquisa" nos princípios que nortearam a criação da Fapesp: não fazer pesquisa, mas apoiá-la; atender a todos os campos do conhecimento; reconhecer a interdependência entre pesquisa básica e aplicada; destacar que o âmbito de ação da Fapesp se limita apenas pela qualidade dos projetos e pela disponibilidade dos recursos.

O Legislativo paulista, reconhecendo o papel da Fapesp, deu-lhe um novo patamar quando decidiu elevar o porcentual dos impostos estaduais recolhidos a ela destinados de 0,5% para 1%, na Constituição estadual de 1989 (artigo 271), que adicionou explicitamente à sua missão o desenvolvimento tecnológico. A sustentabilidade das atividades da Fapesp viu-se reforçada também com a estipulação do pagamento em duodécimos da sua parte na receita anual do Estado, decidida igualmente pela Constituição de 1989, pois é a segurança da regularidade dos recursos que permite a consistência no tempo da sua atuação, tendo em vista que o tempo da pesquisa tem suas cadências próprias e estas requerem uma visão de longo prazo.

Os responsáveis pela gestão da Fapesp têm plena consciência de que quem a sustenta é o contribuinte paulista. Por isso têm a obrigação de prestar contas das suas atividades aos seus representantes no Poder Legislativo, inclusive explicando como exercem a sua autonomia, contemplada na Constituição paulista.

A autonomia de que desfruta a Fapesp é um dos pilares para o bom desempenho de sua missão. Mas autonomia não é o mesmo que a autarquia do isolamento. A autonomia da Fapesp não é autorreferida. É uma autonomia pautada por rigorosos padrões de eficiência administrativa: a lei que rege a Fapesp impõe que não mais de 5% do orçamento seja gasto com despesas de custeio, incluída a folha de pagamento.

Não conheço outra instituição pública que compulsoriamente destine 95% ou mais de seu orçamento à sua atividade-fim, no caso, transferindo recursos diretamente à pesquisa científica e tecnológica (seja pela concessão de bolsas, seja pelo financiamento de projetos) mediante estritos padrões de qualidade e com ampla transparência e fiscalização pela comunidade acadêmica e pela sociedade em geral.

A fundação sempre esteve e procura manter-se alinhada com os interesses maiores do Estado de São Paulo e tem demonstrado isso ao longo de todo o decorrer de sua história. Dela resultaram, por exemplo, desde o combate bem-sucedido ao cancro cítrico até os atuais 17 programas Cepids - Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão -, que, com vultosos investimentos e 11 anos de duração, se dedicam ao estudo do sono, do genoma humano, da terapia celular, da toxinologia aplicada, dos problemas das metrópoles, da óptica, da fotônica, dos materiais cerâmicos, da biotecnologia molecular estrutural e muitos outros problemas.

Exemplos de conhecimento útil no curto prazo são o acordo de cooperação que a Fapesp mantém com a Sabesp para apoiar projetos de pesquisa para, entre outros objetivos, tentar diminuir a perda de água, ou o programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), que apoia a pesquisa científica e/ou tecnológica em pequenas empresas do Estado.

Exemplos de conhecimento gerado para lidar com problemas de longo prazo são o Programa Mudanças Climáticas Globais, que visa a criar conhecimento para a tomada de decisões com respeito a avaliações de risco e estratégias de mitigação e adaptação; o Bioen, com pesquisas para promover o avanço do conhecimento e sua aplicação na produção de bioenergia; o Biota, que, na área da biodiversidade, além de significativos resultados científicos de impacto mundial, contribui para formular legislação sobre conservação ambiental no Estado; os acordos de cooperação com empresas para a implementação de centros de pesquisas em áreas estratégicas para o desenvolvimento tecnológico e os já referidos Cepids.

Uma concepção adequada de autonomia é uma das responsáveis pela boa qualidade institucional da Fapesp. Uma institucionalidade apropriada é um fator de desenvolvimento e é por isso que a Fapesp tem servido bem ao nosso Estado, contribuindo para colocá-lo na vanguarda da geração de conhecimento, indispensável para preparar decisões adequadas de políticas públicas e assegurar competitividade ao seu sistema produtivo.

O Estado de S. Paulo, 17/8/2014

O Estado de S. Paulo, 17/08/2014