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Os donos dos partidos

 

Ao mais uma vez constatar que o ex-presidente Donald Trump tem o controle completo do Partido Republicano, na convenção que o escolheu como candidato à Presidência, lembrei-me do comentário do cientista político Eric X. Li, também empreendedor de risco na China:

— A China tem muitos problemas, mas o sistema chinês de Estado-partido tem provado a todos uma extraordinária habilidade em mudar. Na América, você pode mudar de partido político, mas não pode mudar a maneira política de ele agir. Na China, você não pode mudar de partido, mas pode mudar a maneira política de ele atuar.

Antes de Trump, era uma constatação, hoje é simplesmente um erro de avaliação. Trump transformou o Partido Republicano numa agremiação política à sua imagem e semelhança, fechada em si mesma, favorável ao isolacionismo comercial, ao protecionismo. Houve época em que governos brasileiros preferiam trabalhar com presidentes republicanos. Mas hoje, levados por Trump, os republicanos são menos abertos ao mundo comercial e aos organismos internacionais, o que pode ser decisivo neste período de guerras que estamos vivendo.

Ao mesmo tempo, a oposição ferrenha à China ganhará destaque nas prioridades da política externa dos Estados Unidos, que teve no presidente republicano Richard Nixon o mentor da aproximação com a China. O domínio de Trump sobre o partido, a ponto de alterar alguns de seus pontos programáticos, mostra que ele soube, ao contrário de Bolsonaro aqui no Brasil, usar o aparelho partidário para garantir sua ascendência política.

Bolsonaro não conseguiu formar um partido seu. Já passou por mais de dez legendas sem deixar sua marca, embora tenha transformado o PL no maior partido brasileiro. Mas é Valdemar Costa Neto quem o controla. Outro que acredita nos partidos, tanto que criou um para si, é o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, que quer transformar o PSD numa legenda de liderança nacional. Quer fortalecer essa ideia nas eleições municipais, aumentando a marca de mil prefeitos que já detém, e levar o governador Tarcísio de Freitas à Presidência da República em 2026.

O presidente da China, Xi Jinping, ressalta o papel central que o Partido Comunista Chinês (PCC) ocupa na sociedade chinesa.

— Dediquem tudo, até mesmo suas preciosas vidas, ao partido e ao povo — disse ele recentemente, no aniversário do PCC.

O mesmo cientista político Eric X. Li explica a importância do PCC:

— Nestes últimos anos, a China tem sido administrada por esse único partido e, ainda assim, as mudanças têm sido extensas e amplas, possivelmente maiores que em qualquer outro grande país. A China é uma economia de mercado, mas não é um país capitalista. Não há jeito ou maneira de um grupo de bilionários controlar o comando das decisões políticas, como os bilionários americanos controlam os fazedores de política dos partidos. Na China, você tem uma economia vibrante, mas o capital não se sobrepõe às autoridades políticas. Capital não tem direitos eternos e entronizados. Na América, capital e juros se colocaram acima dos interesses na nação americana. A autoridade política não pode auditar o poderio do capital, por isso a América é um país capitalista, e a China não é.

Eric X. Li é um típico empreendedor chinês que entendeu os limites de sua ação diante de um governo autoritário, que conteve por meio de diversos mecanismos a ascensão do bilionário Jack Ma, dono do Alibaba. A crítica sobre o modelo chinês, que eles classificam de “meritocracia” e, no Ocidente, chamamos simplesmente de “ditadura”, está em discussão há muito na China e ganha cada vez mais destaque à medida que o modelo ocidental de democracia representativa está em crise.

O Globo, 23/07/2024