O destino foi de certa forma injusto com o ministro Celso de Mello ao colocá-lo como o voto decisivo numa discussão de técnica jurídica que ganhou a dimensão de uma decisão política relevante para o futuro do próprio Supremo Tribunal Federal (STF). Não é mais possível ao ministro dar um voto apenas técnico, já que suas consequências podem ser graves para a imagem da instituição e, consequentemente, para a democracia brasileira que o próprio Celso de Mello procurou defender com unhas e dentes durante o processo do mensalão.
Estão nos votos do decano da Corte as acusações mais rigorosas contras os mensaleiros, o que lhe dá uma responsabilidade maior ainda no voto de hoje. Se não tiver evoluído de sua posição inicial depois desses dias de reflexão, e estiver mesmo convencido, como tudo indica, de que os embargos infringentes estão em vigor, o ministro poderá usar seu voto para reafirmar suas convicções de mérito, embora ele não esteja em jogo neste momento.
Mas a gravidade do crime que terá aspectos importantes revisitados por nove dos 11 juízes, e avaliados pela primeira vez por dois deles, não pode ser esquecida. A revisão eventual do caso tem que ser feita de maneira muito cuidadosa pelo plenário, para não desmoralizar a última instância do Judiciário brasileiro. A decisão de amanhã, dando prosseguimento ao julgamento e permitindo que diversos embargos, e não apenas os a respeito de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro sejam apresentados pelos advogados de defesa, já trará ao cidadão comum que acompanha o julgamento pela televisão uma sensação de que manobras estão sendo feitas para evitar a prisão dos condenados.
No seu voto, o ministro Celso de Mello deve ressaltar o caráter restrito dos embargos infringentes, e o presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, deve definir imediatamente os rituais da próxima etapa, para que o Supremo assuma um compromisso com os cidadãos de dar celeridade ao processo, como sugeriu o ministro Luis Roberto Barroso. Coisa difícil de acreditar, pois o critério de celeridade do sistema jurídico não é exatamente o do cidadão comum. Mas, diante da decisão praticamente definida em favor de prolongamento do julgamento, é o máximo que se pode esperar.
Hoje, a sensação predominante será de frustração, e a percepção de que estão fazendo “o diabo” para protelar a execução das penas dos mensaleiros. Caberá ao STF ajudar com ações a superação desse mal-estar cívico.
Falando grosso
Deve ter sido a decisão mais fácil já tomada pela presidente Dilma o adiamento da visita aos Estados Unidos. Veremos na próxima reunião da ONU Obama e Dilma em conversa amistosa, enquanto a presidente brasileira defende nossa soberania diante do mundo, e isso certamente caiu do céu para o marqueteiro João Santana.
De concreto mesmo, essa bravata nacionalista não trará nenhum benefício, a não ser agradar certa camada do eleitorado que leva a sério essa simulação de confrontação, como se tivéssemos ganhado alguma vantagem geopolítica em toda essa trapalhada internacional.
É verdade que a primeira visita de Estado do segundo mandato do presidente Barack Obama poderia ter um simbolismo político importante, como ressalta a nota oficial do governo americano, mas tinha pelo menos um aspecto constrangedor: haveria até mesmo a dança de uma valsa no jantar de gala. Houve o cuidado de usar o termo “adiar” em vez de um cancelamento, que seria um ato diplomático mais incisivo. Para uma governante da América Latina, é sempre recompensador em termos eleitorais brigar com os Estados Unidos. Não falar fino com os Estados Unidos, e grosso com a Bolívia, afinal, é o que se esperava dela desde que a definição de nossa política externa foi dada no Teatro Casagrande por Chico Buarque, na campanha presidencial de 2010. Não importa que se fale fino com a Bolívia, desde que se fale grosso com os Estados Unidos.
O Globo, 18/9/2013