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O siri higiênico

 

A proprietária e o gerente de um restaurante foram detidos após uma inspeção da 1ª Delegacia de Saúde Pública do Departamento de Polícia e Proteção a Cidadania. Segundo a polícia, o estabelecimento funcionava em condições precárias. A polícia foi até o local após receber uma denúncia anônima. No restaurante, policiais encontraram um siri vivo no banheiro.


"SENHOR DELEGADO , entendo perfeitamente a sua disposição de zelar pela higiene de restaurantes. É uma causa que só posso apoiar; afinal, a saúde pública depende disso. Mas, no caso do meu próprio restaurante, devo lhe dizer que o senhor cometeu um engano. Engano compreensível, engano resultante do excesso de zelo, mas engano, de qualquer maneira. O senhor me autuou e me prendeu, por ter encontrado um siri vivo em meu restaurante. Aparentemente é uma medida adequada. Na verdade, e como já lhe mostrarei, não é.


Em primeiro lugar, não se trata de um siri qualquer, senhor delegado.


Quando foi trazido para o restaurante, com muitos outros siris apanhados numa praia, parecia isso, um siri comum. Mas logo ficou evidente que aquele siri tinha qualidades excepcionais. Acenava-me com as patinhas, senhor delegado. Isso mesmo: fazia gestos amistosos, uma coisa comovente. De imediato decidi: ele não iria para a panela. Ficaria no restaurante, como animalzinho de estimação. Outros donos de restaurante têm gato de estimação, cachorro de estimação, papagaio de estimação, lagarto de estimação por que não poderia eu ter um siri de estimação?


Dei ao siri o nome de César, porque ele gostava de fazer pose de imperador, e passei a criá-lo. O que, com siris, não é difícil. Eles não comem muito, não ocupam muito espaço. E o César era a simpatia em pessoa. Os fregueses simplesmente o adoravam. Chamavam-no: aqui, César, aqui! E ele ia correndo para as mesas e ficava acenando as patinhas. Lá pelas tantas aprendeu a dançar. Coisa mais engraçadinha. A gente botava música e o César ficava dançando a dança do siri, três passos para um lado, três passos para o outro. O pessoal ficava deliciado.


E agora, vem o mais importante: o César era muito higiênico. Outros siris fazem as necessidades em qualquer lugar. O César, não. O César descobriu que havia, no restaurante, um lugar especial para isso e dirigia-se espontaneamente ao banheiro (dos homens).


Repito: espontaneamente, senhor delegado. Eu nunca o obriguei a fazer isso. Ele ia até lá, pulava para o vaso, fazia o que tinha de fazer e limpava-se com papel higiênico.


Por azar, o senhor veio ao restaurante exatamente no momento em que o César estava no banheiro. O senhor o surpreendeu lá dentro. O pobre bichinho deve ter morrido de vergonha, mas o César era digno, não sairia correndo por causa disso.


Ficou no banheiro, coisa que, para o senhor, se constituiu num flagrante.


E, para ele, num trauma. Desde que isso aconteceu, o pobre não evacuou mais. Está com uma prisão de ventre terrível. Uma coisa emocional, claro.


Siris também têm emoções, senhor delegado. Inclusive e principalmente no banheiro.


Folha de S. Paulo, 19/10/2009