A aceitação dos embargos infringentes tem a vantagem para a democracia brasileira de impedir que prospere a lenda de que o Supremo Tribunal Federal fez um julgamento de exceção contra os mensaleiros. As condenações estão dadas, e o que estará em discussão é se a pena dos principais acusados pode ser reduzida num novo julgamento.
Diante da decisão do ministro Celso de Mello, dando maioria à tese da aceitação dos embargos infringentes no Supremo Tribunal Federal (STF), só resta esperar que a frustração que o prolongamento do julgamento provoca hoje seja revertida ao final, com um procedimento célere para a análise dos novos recursos.
O presidente Joaquim Barbosa deu mostras de que pretende acelerar o processo fazendo a escolha imediata do novo relator, que será o ministro Luiz Fux, escolhido por sorteio eletrônico que não beneficiou os condenados. O ministro Fux atuou em muita sintonia com Joaquim Barbosa na primeira parte do julgamento, e tornou-se alvo da ira petista, acusado de ter prometido salvar a pele de José Dirceu em troca da nomeação para o STF.
A versão do ministro, dada em entrevista para prevenir uma chantagem que temia, não é das mais lisonjeiras para seu currículo, mas seus votos durante o julgamento são coerentes com ela. Em suma, disse que nas conversas que teve com Dirceu e outras autoridades, a visão que tinha do processo do mensalão era bem diversa daquela que passou a ter quando tomou conhecimento dele já no Supremo. “Pensei que não tinha provas, quando vi o processo fiquei estarrecido”, disse na entrevista.
Fux prometeu “matar no peito” a denúncia, afirmam os petistas, mas o ministro garante que usou essa expressão, que lhe é habitual, em outro sentido: não teria problemas com processos polêmicos por que é juiz de carreira, tem experiência.
É de se prever que o relatório sobre formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, os itens que serão julgados novamente, reafirmará as posições do primeiro e será feito com brevidade, talvez neutralizando as tentativas que certamente serão feitas de retardar o julgamento. Há um prazo máximo de 60 dias para a publicação do acórdão sobre os embargos de declaração, mas esse prazo, como salientou ontem Joaquim Barbosa, nunca é cumprido. Na primeira fase do julgamento durou exatos quatro meses, mas ali havia a figura do revisor, função exercida com dedicação pelo ministro Ricardo Lewandowski.
As primeiras prisões dos que não têm direito aos embargos infringentes só sairão depois da publicação do acórdão com os embargos de declaração, no início do próximo ano. O mais provável é que o novo julgamento só aconteça, numa contagem otimista, no primeiro semestre de 2014. Quase que certamente veremos durante esse prazo novas manobras protelatórias e tentativas de transformar a prisão fechada em prisão de fachada.
O ministro Celso de Mello foi feliz ao não basear sua decisão em aspectos apenas técnicos, dando a ela um caráter mais amplo de defesa dos direitos do cidadão. E trouxe uma novidade para o debate, a decisão do Congresso em 1998 de não acabar com os embargos infringentes, proposta enviada pelo Executivo. Se o legislador de 1990 tinha a intenção de extinguir tacitamente os infringentes, em 1998 teve a intenção expressa de mantê-los.
O decano chamou a atenção também para a possibilidade de que a sentença final do STF poderia ser questionada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA, e aproveitou para rebater indiretamente a comparação com o Judiciário da Venezuela, submisso ao Poder Executivo.
Celso de Mello lembrou que ao contrário dos bolivarianos, que estão se afastando do sistema interamericano de Direitos Humanos, o Brasil é signatário do Pacto de San José e por isso deveria adotar o segundo grau de jurisdição, representado no caso pelos embargos infringentes. No entanto, a adesão do Brasil aos valores do sistema interamericano de Direitos Humanos não é tão pacífica assim. Recentemente o país apoiou um plano urdido por Equador e Venezuela para tirar a autonomia da Relatoria de Liberdade de Expressão da OEA, que produz relatórios denunciando atentados à democracia naqueles e em outros países da região.
A presidente Dilma, furiosa com a interferência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a favor de indígenas — exigindo através de medida cautelar a interrupção da construção da hidrelétrica de Belo Monte — tentou dar o troco, ao lado dos bolivarianos. A manobra foi frustrada, mas o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, do qual faz parte a Corte Interamericana de Direitos Humanos, está em permanente disputa com países que não aceitam críticas a seus procedimentos.
O Globo, 19/9/2013