Leon Tolstói (1828 1910) foi não apenas um grande escritor, foi um tipo humano fascinante que, sob alguns aspectos, antecipou formas de pensamento e estilos de vida que depois viriam a caracterizar o século 20.
Podemos dizer que foi, senão o primeiro, pelo menos um dos primeiros hippies, o resultado de uma trajetória intelectual e espiritual em que não faltaram momento surpreendentes. O centenário de seu nascimento está sendo lembrado em todo o mundo este ano.
De família rica e tradicional, filho de um conde, Tolstói nasceu em 1828 em Yasnaya Polyana, grande propriedade familiar. Frequentou a universidade, estudando Direito e idiomas, mas, aluno rebelde, abandonou o curso. Passava muito tempo em Moscou e em São Petersburgo, levando uma vida boêmia e acumulando pesadas dívidas de jogo.
Talvez para escapar a esta situação, alistou-se no exército e começou a escrever. Resultou daí uma notável obra, expressa em contos, em romances, como Ana Karenina e Guerra e Paz, em ensaios. Seus textos conquistaram a admiração de escritores como Flaubert, Dostoievski e Tchekhov, e tornaram-no famoso.
Aos poucos, Tolstói foi optando por um caminho que, filosoficamente e politicamente, caracterizava a sua independência e sua rebeldia. Depois de presenciar uma execução pública em Paris, concluiu que o Estado “é uma conspiração para explorar e corromper cidadãos”.
Embora influenciado pelo anarquista Pierre-Joseph Proudhon (de quem copiou o título de um livro, La Guerre et la Paix), não aderiu ao anarquismo; mas resolveu dedicar-se à gente pobre, comum. Em Yasnaya Polyana, fundou várias escolas que proporcionavam um ensino livre, democrático. Era um cristão fervoroso, mas não convencional, que buscava sua própria interpretação dos livros sagrados.
Admirador de Buda e de São Francisco de Assis, acabou excomungado pela Igreja Ortodoxa Russa, e, numa época, era vigiado pela polícia do tzar. Pacifista convicto, influenciou o líder hindu Mahatma Gandhi, que, através do movimento de resistência não-violenta, conseguiu que a Índia se tornasse independente da Grã-Bretanha.
Achava que a aristocacia era opressora, opunha-se à propriedade privada e ao casamento; valorizava a castidade, não bebia nem fumava, era vegetariano e usava roupas simples de camponês, renunciando inclusive à sua riqueza e até aos direitos autorais (um escritor que era, portanto, o sonho dos editores).
A família (era casado com a filha de um famoso médico e teve com ela 13 filhos) não aceitava o que era considerado um extravagante modo de vida. Aos 82 anos, Tolstói decidiu fugir de casa; fê-lo de trem, em gélidos vagões de terceira classe. Contraiu pneumonia e morreu em 20 de novembro de 1910, na estação ferroviária de Astapovo. Àquela altura era uma personalidade universal e, apesar de não ter nada a ver com o comunismo, foi prestigiadíssimo na finada União Soviética. Para os hippies dos anos 1960, tornou-se um modelo, e havia até colônias com seu nome.
Certamente no musical Hair, celebração desse movimento, ele teria um papel importante. Basta lembrar uma única frase dele, que aparece no começo de Ana Karenina: “Todas as famílias felizes são iguais, mas cada família infeliz é infeliz à sua maneira”. Bota sabedoria nisso.
Agradeço as mensagens de Alberto Oliveira, de Ivone Bengochea, do Dr. Mauro Horowitz, da escritora argentina Perpetua Flores; do Prof. Duílio de Ávila Berni, José Luiz Pereira da Costa, Prof. Waldomiro Minella, Julio Roberto, jornalista Airton Kanitz, Nelson Gehm.
O Helio Sinowietz manda uma lista de imaginários nomes que condicionam destinos: Ana Lisa, psicanalista, Pinto Souto, fabricante de cuecas, K. Godói, médico especialista em hemorroides.
E no próximo dia 22 o grande Lasier Martins estará recebendo, da Assembleia Legislativa, a medalha Mérito Farroupilha, justo reconhecimento de um exemplar trabalho jornalístico.