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O pensador do Rio

 

André Urani faz parte de uma geração de economistas "cariocas" que começou a se debruçar sobre os caminhos e descaminhos da sua própria terra. Exemplo dessa dedicação é a coletânea "Rio de Janeiro: A hora da virada", de Urani (nascido na Itália e criado em São Paulo) e Fabio Giambiagi (filho de argentinos, criado lá), cariocas por opção.

Outro carioca, Marcelo Neri, da FGV, destaca que economistas cariocas traçaram as principais políticas públicas nacionais, do Paeg (Programa de Ação Econômica do Governo) dos anos 1960 ao Real, passando pelo Cruzado e chegando ao regime macroeconômico vigente, mas não só.

Do desenho do SUS ao Bolsa Família, que teve em Ricardo Paes e Barros e Ricardo Henriques figuras fundamentais, economistas do Rio sempre exerceram papel de destaque.

As principais virtudes de André, um batalhador diferenciado pelo Rio, na visão de outro amigo, o consultor Claudio Porto, eram o rigor dos cientistas sociais, criatividade, generosidade e capacidade de agregação.

André Urani é considerado o responsável fundamental para o renascimento do Rio (ou sua reinvenção), e era quem melhor conhecia as trilhas para o Rio melhorar, como dizia o título de um livro seu.

Marcou sua passagem pela secretaria do Trabalho no município do Rio, quando o prefeito era Luiz Paulo Conde, com uma gestão criativa, em plena crise de desemprego. Lançou programas como o RioCredi (microcrédito) e o ATA (Associação de Trabalhadores Autônomos).

Passou os últimos anos a pensar o futuro da região metropolitana do Rio de Janeiro unida à de São Paulo (e vice-versa).

No prefácio que escrevi, e em uma coluna na ocasião do lançamento do livro "Trilhas para o Rio - Do reconhecimento da queda à reinvenção do futuro", pela editora Campus-Elsevier, explico as soluções que Urani projetava para o futuro, na certeza de que o território entre as duas maiores cidades do país está sendo conurbado naturalmente. Vale a pena repetir.

A conurbação imaginada por André Urani abrange cidades dos três estados mais importantes do país, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, em direção a Campos, no Rio de Janeiro, a Campinas, em São Paulo, e a Juiz de Fora, em Minas Gerais.

A "Megalópole Brasileira", ou "M bras", é formada por 232 municípios interligados por diferentes aspectos, e equivale a apenas 0,97% do território brasileiro.

No entanto, tem 41,7 milhões de pessoas, quase 23% da população brasileira, 96% residentes em áreas urbanas, contra uma taxa brasileira de 81%. E é responsável por 35% do Produto Interno Bruto brasileiro, com renda domiciliar per capita cerca de 55% maior do que a média brasileira.

Mas também, por representar um país ainda fortemente desigual, concentra boa parte dos pobres e indigentes do país.

A megalópole brasileira de Urani já chega preparada para o futuro, com uma taxa de analfabetismo que é cerca da metade da do país e, quando se fala de novas gerações, a diferença é ainda mais marcante: entre as crianças de 10 a 14 anos, a praga do analfabetismo está praticamente erradicada.

Tem 18,6% do total de estabelecimentos de ensino superior do país e reúne 24% de seus universitários.

No eixo Rio-São Paulo estão localizadas as principais instituições e organizações ligadas à pesquisa, tais como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Instituto de Pesquisa Energéticas e Nucleares (Ipen), o Laboratório Nacional de Computação Científica e a Fundação Getulio Vargas.

Para Urani, o que está em jogo é, simultaneamente, o revocacionamento de nossas duas principais metrópoles para o Século XXI, e o próprio papel do Brasil no mundo.

Essa e muitas outras ideias surgiram no OsteRio, reunião para debater as principais questões do desenvolvimento do estado do Rio, que se realizou durante esse período às noites de segunda-feira no restaurante Osteria Dell’ Angolo, em Ipanema, a exemplo de experiências similares acontecidas em algumas cidades da Itália.

Depois de cerca de 50 reuniões dessas, André Urani me disse que chegara o momento de dar um passo à frente, oferecendo condições ao cidadão comum de reivindicar medidas concretas aproveitando as novas mídias sociais.

Ele se preocupava com o fato de que a sociedade civil organizada já consegue influenciar os processos de decisão, "mas o cidadão comum, as minorias e os grupos mais vulneráveis não encontram um caminho de diálogo com o poder público", gerando frustração, especialmente nos jovens, e contribuindo para o afastamento entre Estado e cidadão.

Já fragilizado pela doença, foi buscar na juventude o apoio para levar adiante seus sonhos. Foi um grupo de jovens coordenado por Miguel Correa do Lago que organizou o movimento chamado Meu Rio, que pretende aproveitar as novas tecnologias da comunicação e da informação para dar a esse público "um veículo de expressão e agregação de suas demandas individuais".

Para tal, está desenvolvendo tecnologia de ponta e uma estratégia inovadora "para dar à população novos canais de participação política e engajamento cívico", permitindo a cada carioca encontrar outros cariocas apaixonados pelo Rio e obter informação de qualidade sobre a cidade.

Pensava grande o nosso André Urani.

O Globo, 15/12/2011