Comecei minha carreira médica trabalhando no Hospital Sanatório Partenon, em Porto Alegre. Os pacientes tuberculosos recebiam um esquema básico de três drogas, e o ácido paraaminosalicílico (PAS) era extremamente desagradável de tomar: 12 gigantescos comprimidos, difíceis de engolir e que, como diz o nome, eram ácidos, e irritavam o estômago. Os pacientes diziam que cumpriam a prescrição, mas muitos deles simplesmente jogavam o remédio pela janela. Uma medida que tinha as pernas curtas: era só examinar a grama do lado de fora da enfermaria: onde caía o PAS. Ela estava, por causa do ácido, queimada.
Um método empírico de checar a adesão ao tratamento, mas há outros, mais precisos e sofisticados. Na Escola de Medicina Johns Hopkins (EUA) médicos tratavam pacientes com problemas respiratórios fornecendo um inalador para ser usado três vezes ao dia. Acontece que o aparelhinho tinha um dispositivo que registrava o número de vezes que isso realmente acontecia. Só 15% dos pacientes estavam cumprindo a prescrição. E 14% até esvaziavam o nebulizador para enganar melhor o médico.
Não se sabe exatamente que percentagem de pacientes mentem para seus médicos. Estimativas falam em até 40%. E a pergunta se impõe: por que mentem? Por várias razões. Em primeiro lugar temos os “temas tabu”: certas práticas sexuais (sexo anal é um caso), álcool, drogas. Depois temos aqueles que querem ser “bons pacientes”: dizem que fazem exercício, que se alimentam adequadamente, que não fumam, e não é verdade. Alguns mentem para não perder o emprego ou para driblar o seguro saúde. E existem aqueles que simplesmente esquecem de tomar os remédios e dizem ao médico que estão cumprindo a prescrição direitinho.
No fundo, os pacientes mentem porque seres humanos mentem. Mentimos quando nos sentimos culpados e/ou acuados: em certas ocasiões somos como crianças surpreendidas fazendo alguma travessura. E aí o jeito é imitar o Pinóquio, mesmo ao risco de ver o nariz crescer.
Só que as consequências da mentira podem ser sérias. A pessoa não conta que está tomando certo tipo de medicação. O médico prescreve um remédio, há uma interferência medicamentosa com o medicamento que o paciente está tomando e aí reações graves podem ocorrer. Conclusão: a verdade ainda é o melhor caminho, que os médicos podem ajudar os pacientes a trilhar. Em vez de um interrogatório policial, o profissional deve dizer algo como: “Muitas pessoas não tomam a medicação que foi prescrita, por várias razões. Será que isso está acontecendo com você?” Funciona. Afinal, se Pinóquio se transformou num bom menino, o paciente também pode assumir a sua condição de adulto digno e responsável.
Zero Hora (RS), 5/9/2009