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O novo grid

 

A corrida está apenas começando, o que mudou foi o grid de largada. Com essa imagem, um assessor do tucano Aécio Neves define o ambiente no PSDB a partir da nova realidade eleitoral que presumivelmente surgirá das próximas pesquisas, fortemente influenciadas pela comoção provocada pela morte do candidato do PSB à presidência da República Eduardo Campos.

Definida como a candidata substituta do PSB, Marina Silva deve aparecer no novo grid de largada à frente de onde estava Campos, talvez até à frente de Aécio Neves, que era o segundo colocado. Sondagens telefônicas nos últimos dias sugerem que Marina estaria empatada tecnicamente com o tucano, mas à frente numericamente. Se, mesmo assim, Aécio mantiver seu índice, é sinal de que tem votos cristalizados.
 
Todo o ambiente político está impregnado da tragédia, que hoje terá seu ápice no enterro em Recife, com a viúva Renata ao lado de Marina, protagonistas da nova cena eleitoral. Mesmo que não venha a ser a candidata a vice, o que é mais provável, a viúva de Campos terá papel fundamental na campanha que recomeçará já amanhã.

Marina já deu o seu tom, ao afirmar que foi a “providência divina” que a tirou do avião acidentado, e que tem “compromisso com a perda que Eduardo nos impõe”. Na verdade, a razão de Marina não estar naquele avião fatídico é bem mais prosaica e humana: ela não queria se encontrar com o deputado Marcio França, do PSB, candidato a vice do governador tucano Geraldo Alckmin, coligação a que ela se opunha em São Paulo, que esperava o grupo em Santos.
 
Mas sem dúvida esse ar místico que envolve a ex-senadora dará à campanha o tom de candidata escolhida pelo destino para presidir o país. Se se confirmarem as informações preliminares, Marina ganha força política para comandar uma campanha que será em tudo diferente da de 2010. Ela terá a apoiá-la um partido mais bem estruturado do que era o Partido Verde, mas em compensação não terá a unidade partidária no comando da campanha.

O presidente do PSB, Roberto Amaral, que foi obrigado a ungi-la candidata, terá o mesmo papel secundário do presidente do PV Felipe Pena na campanha anterior, mas outros interesses partidários ao longo da campanha podem afastar os aliados de hoje, que engolem as diferenças devido à expectativa de poder que ela exibe nessa largada.

Se, porém, os caminhos da campanha a levarem a discordâncias programáticas com setores ligados ao que chama de “velha política”, ou representantes do agronegócio, ela corre o risco de ser cristianizada, ficando sem a estrutura que hoje já é precária. Num primeiro momento, Marina representa a grande novidade da corrida presidencial, da mesma forma que quando se uniu a Eduardo Campos.

Com o tempo, o encanto do eleitorado foi se desvanecendo e ela, que marcara 27% de intenções de voto em uma pesquisa do Datafolha, acabou se transformando em uma possibilidade de transferência de votos para Campos que até agora não tinha se realizado.

A situação atual muda a perspectiva da presidente Dilma, que contava ainda poder se eleger no primeiro turno e agora tem pela frente um segundo turno praticamente certo. Já Aécio, que precisava de pouco para chegar ao segundo turno, terá que recomeçar a campanha dentro de uma nova dimensão. Antes, disputava com um candidato que tinha a metade de seus votos e a metade de seu tempo de propagando eleitoral. Agora enfrentará uma candidata que tudo indica começa com o mesmo tamanho eleitoral e metade da propaganda, mas que é o dobro do que teve em 2010 quando fez 20% dos votos.

Aécio tem a tradição de oposição do PSDB e uma máquina partidária que até agora tem feito a diferença. Vai disputar contra duas mulheres e na condição de o mais desconhecido pelo eleitorado dos candidatos. Mas tem a vantagem de ser diferente de Dilma e Marina e ser mais próximo da figura polítrica de Eduardo Campos, conciliador e negociador. Se Marina tirar mais votos de Dilma do que dele, há até mesmo a possibilidade, remota embora, de que o segundo turno seja contra Marina, e não contra Dilma.

Mas entrou na pista de corrida uma possibilidade que era quase inexistente antes, a de Marina ir para o segundo turno contra Dilma, deixando ao PSDB o papel de grande eleitor. Nas pesquisas anteriores, tanto Eduardo Campos quanto Aécio cresciam muito num segundo turno contra Dilma, sendo que o tucano chegou a estar empatado tecnicamente com ela.

Se Marina surge na primeira pesquisa como capaz de vencer Dilma no segundo turno, torna-se automaticamente a candidata ser vencida, condição que já foi de Aécio. A consistência dessa situação, só o desenrolar da campanha dirá.

O Globo, 17/08/2014