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O impeachment avança

 

A mancada do vice Michel Temer, deixando vazar um discurso que preparara para a noite de domingo próximo caso o impeachment seja aprovado no plenário da Câmara, não teve conseqüência nenhuma na votação de ontem na comissão, que deu uma vitória folgada à oposição, e provavelmente não terá influência na decisão final dos partidos.

O fato de a oposição não ter alcançado os 2/3 dos votos necessários no plenário não é sintoma de que o número mágico de 342 votos não será atingido. É bom não esquecer que a comissão foi montada de acordo com a indicação dos líderes partidários, que naquela ocasião eram majoritariamente governistas. O que aconteceu de lá para cá é que o governo foi perdendo apoios, o que se refletiu na vitória folgada da oposição.

Duvido que algum deles mude de posição revoltado com a antecipação de Temer, mesmo por que não há nenhum motivo no discurso que justifique uma reação dessas. A fala de Temer, ponderada e conciliadora, deve, ao contrário, ter dado a algum indeciso a garantia de que um eventual novo governo não perseguirá nenhum partido e, mais importante, não exterminará os programas sociais como dizem os governistas.

Ninguém tem dúvida de que o vice Michel Temer há muito negocia nos bastidores apoios ao impeachment da presidente Dilma, assim como todo mundo sabia, na ocasião, que o PT, com o apoio da própria presidente Dilma e do ex-presidente Lula, boicotou a tarefa de negociação política que o vice fazia como ministro-coordenador da política.

Essa disputa entre o PT e o PMDB já vem acirrada desde o início, e não há em Brasília quem não soubesse que Temer trabalhava nos bastidores, o mesmo fazendo Lula. O ex-presidente, aliás, fez gozações com Temer em diversos comícios, dizendo, entre outras coisas, que se ele quisesse ser presidente deveria disputar a eleição no voto.

 Como se a chapa Dilma-Temer tivesse recebido 54 milhões de votos apenas de petistas. É claro que o PMDB foi chamado para compor a chapa presidencial por que o partido é o maior do país e tem capilaridade muito maior que o PT, sendo extremamente útil na captação de votos.

 Querer transformar Temer em um réles traidor, que mereceria a rejeição da população, é criar artificialmente uma crise política que já se desenrola há muito tempo. Nem é provável que alguém se desencante com o vice-presidente ao ouvi-lo pronunciar um discurso que, claramente, era uma preparação para o caso de vitória no domingo.

O Palácio do Planalto também quis dar ao gesto a categoria de arrogância, quando está claro que houve mesmo foi uma boa trapalhada com a nova tecnologia, o que só demonstra um amadorismo surpreendente no PMDB. Se Temer não é ágil no manejo dessas novas tecnologias como o Wht´sapp, melhor seria que houvesse algum assessor com mais familiaridade para mandar mensagens a grupos.

Uma trapalhada desse tipo pode marcar a imagem de Temer como um político antiquado, mas não como um traidor, pois os dois lados estavam em guerra aberta e de conhecimento público. Ou ninguém ouviu dizer que Lula atraía seus interlocutores ameaçando-os de que Temer estava preparando um ministério de notáveis, e que os políticos do baixo clero não teriam vez?

Nesse enredo novelístico que se desenrola em Brasília, acontece de tudo, e essa gafe do vice é apenas mais um toque inusitado. Comparar a atitude de Temer com a de Fernando Henrique Cardoso, que sentou na cadeira de prefeito de São Paulo como se já estivesse eleito e perdeu a eleição que parecia ganha, não é acurado.

 A atitude de Fernando Henrique pode ter sido considerada arrogante por muitos eleitores, mas duvido que os deputados que são os eleitores da eleição do próximo domingo se surpreendam ou se indignem com o vazamento do discurso de Temer.

Primeiro por que está claro que foi um erro, não uma atitude arrogante. E o texto é absolutamente conciliatório, humilde até. A indignação dos adeptos da presidente Dilma tem sua razão de ser, faz parte da luta política, e eles têm mesmo que exacerbar a reação para tentar reverter uma situação que parece tender à aprovação do impeachment.

Mas não creio que essa seja uma razão suficiente para mudar alguma posição partidária. O melhor para Michel Temer é que não tivesse acontecido o imprevisto, e não creio na versão de que foi um vazamento proposital para tranquilizar certas áreas.

O governo pode até conseguir conter essa tendência, ou até mesmo revertê-la, mas não será por causa dessa mancada.  

O Globo, 12/04/2016