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O Estado e a sociedade

 

O primeiro governo Lula representou uma experiência inédita de inovação no recrutamento nas bases partidárias, sindicais e locais. Nas áreas de gênero e etnia (afrodescendentes) também iniciou um padrão de crescente participação, todavia, em patamares ainda irrisórios.

O trabalho “Elites burocráticas, dirigentes públicos e política no Poder Executivo do Brasil, 1995-2012”, da cientista política Maria Celina Soares D'Araujo, da PUC-Rio compara o perfil dos altos dirigentes públicos no Brasil de 1995 a 2012 abrangendo os governos de Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva e os dois primeiros anos de Dilma Rousseff, num total de 18 anos de gestão pública federal, e chega à conclusão de que o primeiro governo Lula “foi um caso atípico na densidade da interface entre sociedade e Estado”.

Na coluna de ontem vimos como o governo Lula destaca-se na utilização de petistas e sindicalistas no primeiro nível de assessoria, os DAS 5 e 6 e os cargos de Natureza Especial. Outra marca forte dos governos do PT observada nesta pesquisa é a presença de dirigentes públicos recrutados nos estados e municípios, em especial no primeiro governo Lula.

O trabalho analisa os vínculos do grupo de dirigentes com outras organizações e associações da sociedade civil, procurando detectar quantos desses dirigentes tiveram algum engajamento cívico ou associativo antes de assumir o cargo. Ele leva em conta movimentos sociais, experiências em gestão local e em conselhos vinculados a políticas públicas, bem como filiação a associações profissionais.

O engajamento associativo dos dirigentes públicos por governo mostra que os de Lula foram os que mais utilizaram experiências em movimentos sociais (46,5% no primeiro, 45.1% no segundo), enquanto nos de Fernando Henrique apenas 24% dos assessores tinham essa experiência, e 36% no governo Dilma.

O trabalho destaca “um estável percentual de cerca de 20% dos ocupantes de cargos de DAS níveis 5 e 6 que procedem do próprio órgão do serviço público federal em que passaram a atuar em cargo de confiança”. Juntando-se aos servidores de outros órgãos ou esferas “vemos que a grande maioria foi recrutada no serviço público desmontando, pelo menos parcialmente, a tese de que esse seria um espaço privilegiado para a nomeação aleatória de protegidos políticos”.

Os não servidores em cargos de DAS cresceram percentualmente nos governos do PT, mas nunca chegaram a ocupar um terço desses indicados. Maria Celina D’Araujo ressalta, porém, que “não se pode desconsiderar que entre esses servidores de carreira há pessoas altamente partidarizadas ou politicamente engajadas, especialmente no caso do PT, partido com forte atração entre os funcionários públicos em geral”.

Ainda sobre engajamento político deste grupo, foi examinado o envolvimento dos dirigentes públicos filiados a partidos em cargos de direção nas organizações partidárias a que pertenciam. No governo Fernando Henrique, o percentual era de 7,5%, subindo para 10,7% e 12,3% nos consecutivos governos Lula, baixando para 9,6% no governo Dilma Rousseff.

Ou seja, conclui Maria Celina, em todos os casos, a julgar pela exigüidade dos cargos de direção em cada partido frente ao número de filiados, esse percentual é expressivo levando a supor que acesso a cargos de direção partidária, independente do partido, é um atalho eficaz para a administração pública. Provavelmente o inverso também é verdadeiro.

Dada a alta inserção do PT em governos locais tornou-se imprescindível localizar em que nível da federação foram recrutados os dirigentes que eram funcionários públicos, diz ela. Os dados parecem coerentes com a lógica partidária e com o perfil de cada presidente. Lula da Silva em seu primeiro mandato foi o que mais recrutou dirigentes nos municípios e nos estados, num total 27,5%.

Dilma voltou a aumentar o recrutamento nos municípios (5,4%), mas diminuiu a participação dos estados e aumentou a do nível federal. A presença de funcionários municipais nesses cargos era praticamente nula no governo Fernando Henrique o que atesta a tese de um maior compromisso dos governos do PT com o aproveitamento de suas bases locais, em alguns casos, considerados espaços de excelência.

O Globo, 28/7/2013