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O "espírito animal"

 

Há algum tempo se discute no país o que é preciso fazer para despertar o “espírito animal” do investidor para que voltemos a crescer. O termo é do economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946) na obra, "A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda", de 1936. Quando fala das expectativas de longo prazo, Keynes escreve que o momento certo para o investimento se dá quando o “espírito animal”, um tipo especial de confiança, se sobrepõe a cálculos matemáticos. “Isso acontece quando o receio do prejuízo, que volta e meia acomete os pioneiros, é colocado de lado como um homem saudável esquece a expectativa da morte”.

Esse "otimismo espontâneo", geraria uma inclinação natural "para a ação, em vez da inação", fazendo a "engrenagem” da economia girar. A presidente Dilma tem chamado para conversas privadas ou coletivas os mais importantes empresários brasileiros, numa demonstração de que afinal compreendeu que precisa se comunicar diretamente com eles para dissipar eventuais dúvidas que os fazem recalcitrantes diante da possibilidade de ampliar investimentos no Brasil.

Esse “espírito animal” que o governo pretende despertar depende, no entanto, muito mais de atitudes concretas do que de conversas, embora essas sejam importantes para desanuviar o ambiente. A economia este ano será crucial para as pretensões da presidente Dilma de se reeleger, não apenas para viabilizá-la junto ao eleitorado como para desmobilizar movimentos internos no PT e na base aliada para a volta de Lula, que parecia fora das cogitações do ex-presidente, mas passou a ser um dado fundamental do xadrez político a partir do momento em que Lula viu-se acuado por uma série de denúncias, existindo a possibilidade de que venha a ser investigado sobre o mensalão.

Para reagir ao que considera uma campanha de desconstrução de sua imagem, Lula começou a sugerir uma possível volta ao cenário eleitoral, para alimentar uma expectativa de poder que o fortalece e protege de ameaças. Lula pretende sair pelo país em viagens para enfrentar a tal campanha diante do povo, e a ala petista descontente com a gestão da presidente Dilma, assim como políticos de diversas tendências abrigados na aliança governamental também se animam com essa possibilidade, pois Lula sempre teve uma relação com os políticos mais próxima do que a presidente Dilma.

As políticas assistencialistas do governo certamente são a base de sua popularidade, mas talvez essa imagem de distância do mundo político, que corresponde a uma meia verdade, permita que ela seja tão popular mesmo sem ser nada carismática. Ao contrário, o carisma de Lula o mantém altamente popular mesmo com a revelação constante de sua leniência com os políticos de todas as tendências.

Exatamente por que a economia será uma definidora fundamental das chances de reeleição da presidente Dilma, os políticos começam a abrir os olhos para o que está acontecendo nessa área e outro tipo de “espírito animal” começa a se manifestar, aquele que faz com que procurem com lupa sinais que identifiquem quais são as reais possibilidades deste ou daquele potencial candidato à presidência em 2014.

Esse “espírito animal” faz com que seja pule de dez o apoio à reeleição de Dilma se a economia se recuperar nesses dois anos, mesmo que não venha nenhum “pibão”.Um crescimento que mantenha as condições de o governo distribuir suas benesses, com inflação sob controle, será suficiente para uma campanha tranquila capaz de reeleger Dilma até mesmo no primeiro turno, sem dispersões da base aliada.

Mas o governador de Pernambuco Eduardo Campos está sendo identificado como uma peça fundamental nesse jogo, e sua habilidade política de se manter na base aliada “até 2013”, deixando aberta a possibilidade de uma candidatura própria, tem chamado a atenção de seus pares. A candidatura do senador Aécio Neves pelo PSDB ainda não se inclui na lista das possibilidades reais, pela fragilidade da oposição e pelos problemas internos dentro do próprio tucanato.

Mas a capacidade de Aécio de formar alianças políticas faz com que ele não seja desprezado nessa corrida, ainda mais se a situação econômica corroer a imagem da presidente Dilma nesses dois últimos anos de seu primeiro mandato. A presença de Marina Silva no páreo com seu novo partido é outro elemento importante nas análises, e não escapa aos políticos a possibilidade real de um grande acordo oposicionista, num eventual segundo turno, unindo esses três candidatos.

O que não foi possível em 2010 por que no segundo turno a alma petista de Marina acabou rejeitando um acordo com o tucano José Serra que poderia levá-lo a vencer Dilma. A eleição de 2014 começa a ser jogada este ano e está nas mãos do “espírito animal” dos investidores e dos políticos.

O Globo, 17/1/2013