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Nova configuração

 

Nada mais sintomático do que a definição do governador de Pernambuco Eduardo Campos de que os resultados das eleições municipais marcam um rearranjo das forças políticas no país. Os resultados já indicavam que o PSB é o partido que mais cresceu em número de prefeituras, e algumas vitórias simbólicas já no primeiro turno como em Minas e no Recife, e boa chance de vencer o segundo turno em Fortaleza, deram ao partido uma visibilidade nacional que forçará uma reacomodação de forças dentro da base aliada num primeiro momento.

Mais adiante, Campos deve avaliar as condições objetivas de um voo solo, ou a associação a um projeto de poder encabeçado pelo PSDB, que quando chega a hora da decisão política torna-se o catalisador das forças oposicionistas do país.

Por enquanto, não há razão para o PSB deixar a base aliada, e pode até ser que esse projeto de poder seja transferido para 2018, desde que o PT consiga conviver não apenas com um, mas dois partidos fortes na coalizão governista.

Há uma situação apenas em que o governador Eduardo Campos poderá se desgarrar da aliança petista: se a maneira de governar desse governo em curso não corresponder à sua visão de gestão, e a ineficiência da máquina pública demonstrar que os projetos não têm condições de se realizar. Essa ineficiência será tão maior quanto os problemas econômicos internacionais forem enfrentados de uma maneira equivocada, e a visão populista se sobrepuser à eficiência administrativa.

O fato é que a visão de Estado do governador Eduardo Campos é mais próxima da do PSDB, mais especificamente da do senador Aécio Neves, ou mesmo do estilo administrativo modernizante imposto pelo governo do PMDB no Rio de Janeiro com o governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes, do que a do PT que prevalece hoje no governo Dilma. O próximo ano será decisivo para que esse rearranjo partidário seja montado e preserve a unidade dessa coalizão governamental que terá cada vez mais motivos políticos para desavenças.

A maneira de governar será fundamental também para reaproximar o poder político da cidadania, pois o alto número de abstenções, votos nulos e em branco destas eleições, de que a cidade de São Paulo é um exemplo gritante, mostra que há um divórcio cada vez maior entre o poder político constituído e o eleitor. É detectando essa brecha que se amplia cada vez mais, separando eleitores e eleitos, que o candidato tucano José Serra iniciou sua campanha pelo segundo turno falando sobre “valores”, citando o julgamento do mensalão pelo STF como a novidade da política brasileira. É uma estocada inicial no adversário petista, que terá que conviver nessa campanha com o estigma do partido que está em julgamento em Brasília. É da ala paulista do PT que sai a maioria dos réus do mensalão, e Fernando Haddad, embora não tenha relação pessoal com o episódio o que é uma vantagem para o contra-ataque vai ter que lidar com o assunto que, mesmo que Lula não queira, tem em São Paulo um efeito maior do que no país de maneira geral.

A disputa em torno de valores éticos na política levará inevitavelmente a acusações do petista contra Serra, centradas especialmente no que chamam de “privataria tucana”. Os dois candidatos vão ter que enfrentar essa situação, tendo o esforço adicional de atrair cerca de 1/3 de eleitores que este ano simplesmente se abstiveram, ou votaram nulo e em branco, numa demonstração de desencanto com as propostas políticas em jogo. A disputa de São Paulo reafirma a polarização nacional, mas mostra também que o eleitor está em busca do novo, o que pode favorecer tanto o governador Eduardo Campos quanto o senador Aécio Neves.

E será esse eleitor desanimado que definirá a eleição paulistana. PT e Serra tiveram nesta eleição o menor percentual de votos das últimas disputas, embora nos votos válidos, onde não se contam os brancos e nulos, cada um tenha tido o seu terço tradicional do eleitorado. Serra, com o apoio do prefeito Gilberto Kassab que, mal avaliado, mais parece ser um peso  e do governador Geraldo Alckmin, venceu o primeiro turno apesar de ter uma taxa de rejeição altíssima. Já é um case eleitoral, desmentindo a máxima de que a partir de 40% de rejeição o candidato está derrotado.

O ex-presidente Lula pode considerar uma vitória ter levado o desconhecido Haddad ao segundo turno, o que mostra a dificuldade da tarefa que se impôs. Ele o escolheu por ser “o novo”, e o máximo que conseguiu foi alcançar a votação tradicional petista, embora no nível mais baixo dos últimos anos.

Agora, terá que provar-se capaz de ir além do PT, para convencer o terço do eleitorado que não votou, e mais os que votaram em outros candidatos, que pode ser realmente a renovação da política.

Ambos têm tarefas difíceis. Mas uma vitória apagará todos os problemas que hoje enfrentam.

O Globo, 9/10/2012