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Negri e Chavez, tudo a ver

 

Uma das mais importantes contribuições à integridade da democracia brasileira foi dada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na nota oficial em que mostrou a impossibilidade de realizar o plebiscito sobre reforma política em tempo de obedecer aos prazos legais estabelecidos pela Constituição para valer na eleição de 2014.

Ao colocar como barreira a Constituição, e além do mais salientar que não é possível perguntar ao povo questões que ele não pode resolver, como as que exigem emendas constitucionais no Congresso, o TSE deu um balizamento para eventuais tentativas de alterar a Constituição através de plebiscitos, um sonho de consumo permanente de um grupo bastante influente do petismo.

Dentro desse contexto, o desespero da presidente Dilma para levar adiante sua proposta de realização de um plebiscito sobre a reforma política pode gerar uma crise institucional de graves consequências, com o Palácio do Planalto, acobertado pelo PT, tentando jogar a população contra o Congresso, como se a solução das reivindicações das ruas dependesse desse plebiscito. A questão aumenta seu grau de periculosidade quando o PT decide não apenas levar para as ruas as centrais sindicais e organizações populares ligadas a ele, como insistir na convocação de uma Constituinte. No dia 25 do mês passado escrevi a coluna “Democracia direta” em que falava sobre o perigo de utilizar as consultas populares para ultrapassar o Congresso, e disse que essa tendencia dominava países da América Latina ditos “bolivarianos”, sob a liderança da Venezuela chavista, que se inspirara no livro “Poder Constituinte – ensaio sobre as alternativas da modernidade”, do filósofo italiano Antonio Negri.

Pois bem, o professor de Direito Constitucional Adriano Pillati, tradutor do livro para o português, postou no Facebook uma nota contra o que escrevi, e juntamente com Toni Negri e Giuseppe Cocco, publicaram um artigo no jornal Valor supostamente para rebater “as sandices” que escrevi, segundo Pilatti.

Nesse artigo afirmam que nunca falaram especialmente sobre a Venezuela, mas sobre o surgimento de novos governos na América do Sul, e analisando as manifestações dos últimos dias no país, escrevem que “a teoria do poder constituinte e sua realidade (aquela que está abertamente nas ruas do Brasil inteiro) é uma teoria da democracia radical. Não é contra a representação, mas contra a separação dessa de sua fonte: a soberania popular”.

A íntima relação de Toni Negri com Hugo Chavez, o falecido protoditador venezuelano, no entanto, está registrada em um encontro que tiveram em Cumaná, Estado de Sucre, num domingo 5 de fevereiro de 2006, e gravado para o programa Alô Presidente número 246. Quem quiser ver a íntegra da conversa pode ir ao Google e, a partir da página 59, encontrará diálogos reveladores do que Negri e Chavez entendem por “democracia”. Chavez conversa com Toni Negri e diz que o conheceu primeiro através de livros como o Poder Constituinte, que o fez compreender “o que é o poder constituinte original”. Negri agradece e diz que teve “muita sorte” de o seu livro cair “em excelentes mãos. Mãos que levaram a cabo não somente um processo democrático, mas também que puderam levar a cabo com esse livro uma revolução, que é a essência de uma verdadeira Constituição, esse amor que nasce e se transmite através da prática da Constituição”.

Toni Negri diz então que “para mim hoje é interessantíssimo ver como se desenvolve este processo, esse é o essencial, o que você chama de dar o poder ao povo. Quer dizer, transformar este processo revolucionário em uma verdade, em um processo verdadeiro de dar poder ao povo, o que chamo de uma ação verídica até o povo”. Outro aspecto importante, destaca Negri, é que um grupo de companheiros, tanto na Itália quanto em toda a Europa e América Latina, está vendo "com muito interesse a experiência venezuelana, a proposta bolivariana, e como se está estendendo pela América Latina”. Para Negri, “é importante ver que o inimigo somente pode ser vencido através da luta de classes, da luta de todos nós. A luta de classes nos continentes é minha esperança, poder continuar aprofundando este debate, esta proposta que se está formulando hoje que você chama de socialismo do século XXI e eu poderia também chamar de comunismo”.

Chavez agradece as palavras de Negri e torna a dizer que a partir de seu livro O Poder Constituinte, que o fez entender o poder constituinte originário, está se desencadeando um processo na Venezuela e também na Bolívia. “Tenho dito que estamos aqui levando adiante um processo democrático, revolucionário, pacífico. Mas, como já disse antes, é uma revolução “alerta e armada”, para destruir a traição à Pátria”.

O Globo, 6/7/2013