O poeta Tiago Lunardelli teve a delicadeza de preparar um questionário sobre os focos de minha secreta elipse ou, em outras palavras, sobre as obsessões que me aprisionam. Segue abaixo uma pequeno trecho sobre alguns projetos atuais.
P - Você publicou um livrinho intitulado Rudimentos da língua laputar. Como surgiu a ideia e por que a criação de uma língua artificial?
R - Por divertimento, depois de ler As viagens de Gulliver. Comecei em meados dos anos de 1980 e decidi terminá-lo agora, com uma nova revisão e forte acréscimo vocabular, tirado de muitas línguas e adaptado à nova fonética que proponho. A bibliografia é inventada, assim como as opiniões das orelhas. Um divertimento que deu muito trabalho, incluindo umas duas ou três palavras de Guimarães Rosa, as línguas do Oriente e do Ocidente. E das Américas. Muitas palavras-cabide, dentre as quais saudor, que une o português saudade ao romeno dor, nostalgia. É também homenagem a Evanildo Bechara e à memória de Paulo Rónai.
P - A matemática é tema constante de alguns livros seus, como agora no recentemente lançado Hinos matemáticos.
R - É de fato um interesse, que me acompanha nos últimos anos, mas sempre do ponto de vista da poesia da própria matemática, como percebi depois da leitura fervorosa de Novalis. Trata-se de um diálogo indireto com a minha tradução de Euclidianas de Guillevic, embora tenha sido escrito inicialmente nos anos de 1990.
P -E quanto a seus romances? Você trabalha agora em algum? Por que se costuma dizer que seus romances históricos não o são no sentido estrito do termo?
R -Sim, estou escrevendo um romance, que espero entregar no início de 2016, mas sobre o qual não desejo adiantar outra informação. O dom do crime é um romance histórico em termos, porque faz uma análise milimétrica de uma série de detalhes do crime, embora seu horizonte seja essencialmente preocupado em tecer uma relação ficcional entre a literatura e a história, entre um crime específico acontecido na Corte e a obra de Machado. Já com O bibliotecário do imperador decidi criar algumas dissonâncias com a história, inclusive com umas poucas datas que forcei para a frente ou para trás, uma ou outra figura histórica modificada, embora preservando o núcleo duro relativo ao protagonista. A relação com a história em O bibliotecário é portanto mais livre, inclusive pela figura puramente ficcional do barão de Jurujuba, que me permitiu outras licenças poéticas.
P- Você tem estudado a história do Rio nestes últimos anos, que o levou à curadoria da exposição “Rio de Janeiro 450 anos: uma História do Futuro”. Como ficou o resultado?
R -A Biblioteca Nacional dispõe de um acervo, sob todos os aspectos fascinantes, e com uma equipe de servidores de alta qualidade. Procurei fixar uma relação que chegasse aos nossos dias, ampliando também o acervo da casa (o que me alegrou bastante), através do convite aos fotojornalistas de nossos dias, incluindo vários desenhos dos alunos do Ciep do Morro do Cantagalo e o trabalho em tecido dos detentos de Bangu. E toda uma série de projetos que nunca aconteceram ou que estão para acontecer. Queria de fato algo que fosse além de presente e passado. A cidade imaginária. A cidade como um poema de todas as suas partes possíveis. Um trabalho emocionante, para mim, o de me tornar escafandrista de uma casa tão fundamental para o Rio e para o país.
P -Do próximo romance você poderia ao menos dar uma ou duas dicas?
R -Ele se passa no fim dos anos de 1920. E como sempre no Rio, para terminar uma proposta, um modo de ver, uma pequena trilogia. Para pensar em outro horizonte.
P -Sobre seu amigo Paolo dall’Oglio, desaparecido na Síria, você tem algum projeto?
R -O meu querido amigo Paolo. Para atestar sua coragem, o enorme esforço que realizou para evitar a catástrofe... para isso estou preparando um pequeno conjunto de cartas que ele me dirigiu. Acho importante que se compreenda sua grandeza, num tempo de fôlego escasso duração e premências inconfessáveis.