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Monteiro Lobato

 

Monteito Lobato foi um notável escritor.Seus livros, que primam pela imaginação e pela visceral ligação ao modo de ser brasileiro, fizeram a cabeça de muitos leitores, entre os quais  me incluo. Mas ele não estava imune aos estereótipos de seu tempo.Uma nota do Conselho Nacional de Educação (CNE) aponta referências consideradas desrespeitosas em relação aos negros, do livro Caçadas de Pedrinho (1993).


E já em 1914 ele havia escrito para o Estado de São Paulo, dois artigos , "Urupês" e "Velha praga", queixando-se dos caboclos do interior, segundo ele inadaptáveis à civilização.O texto de maior impacto falava do Jeca Tatu, tipo apático e preguiçoso, "piolho de terra", versão humana dos urupês, plantas parasitas, inúteis. Esta posição certamente refletia a frustração do próprio Lobato, que várias vezes vira fracassar seus ambiciosos empreendimentos agrícolas, e que, portanto, precisava culpar alguém.


Os textos tiveram  repercurssão, o personagem ganhou popularidade, mas Lobato veio a se arrepender disso, ao ler o relatório "Saneamento do Brasil"dos médicos sanitaristas Artur Neiva e Belisário Pena, texto pioneiro que descrevia a espantosa miséria a e a deprimente condição sanitária no interior do Brasil.Não eram poucos os brasileiros que sofriam de verminoses,sobretudo ancilostomose, que se acompanha de anemia, manifesta-se na palidez (o "amarelão") e na perda de energia.A solução estaria no saneamento básico (água ,esgoto,coleta de lixo), que então transformou-se numa causa, numa bandeira de luta.Para defendê-la, surgiu a Liga Pró-Saneamento (era época das Ligas- o termo implica em uma união cimentada por patriotismo não raro exacerbado).


A esta causa, converteu-se, Lobato.O problema de Jeca Tatu, constatava-o agora, não era preguiça, era doença. O seu arrependimento aparece na quarta edição de Urupês (1918), em que diz, dirigindo - se ao imaginário Jeca: "Eu ignorava que eras assim, meu caro Tatu, por motivo de doenças tremendas. Está provado que tens no sangue e nas tripas um jardim zoológico da pior espécie. É essa bicharada cruel que te faz feio, molenga, inerte. " Tens culpa disso? Claro que não".


Amigo de Cândido Fontoura, farmacêutico que criara o famoso Biotônico, mistura de vários componentes, entre eles o ferro, que combatia a anemia, colaborou com ele escrevendo o Almanaque de Jeca Tatu. Ali ele explicava de maneira simples com o as larvas dos vermes penetravam nas solas dos pés descalços ( andar sem sapatos era regra). Jeca Tatu e sua magra, pálida e triste família recuperaram a saúde com o Biotônico Fontoura. O caboclo transformara-se  em fazendeiro rico, graças às "botinas ringideiras".


Escritores não são necessariamente sábios, não estão livres de ideias equivocadas, como mostra o caso daqueles que aderiram ao nazismo e ao estanilismo, mas daí a censurar obras, como pretendia a proposta apresentada ao CNE, vai uma distância muito grande, sobretudo porque a censura sempre é condenável. Importante é fazer uma leitura critica, a partir de notas acrescentadas às edições originais e a partir ,sobretudo, da escola. Proposta que Jeca Tatu, do alto de suas botinas, aplaudiria com entusiasmo. 


Zero Hora (RS),9/11/2010