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Médica e heroína

 

Gaúcha de Rio Grande, Rita Lobato foi a primeira mulher a receber o diploma de Medicina no Brasil


Este ano é um ano de muitas comemorações, e na semana passada tivemos mais uma: o bicentenário da Faculdade de Medicina da Bahia, primeira escola médica do Brasil, instituída por uma carta régia do recém-chegado Dom João VI. Instituição de trajetória gloriosa, esta. Ali surgiu a escola tropicalista baiana, formada por médicos que estudaram as enfermidades típicas de nosso país e fizeram importantes descobertas.


Para nós, gaúchos, a Faculdade de Medicina da Bahia tem um significado especial. Lá formou-se a primeira médica do país, a gaúcha Rita Lobato, que foi também a segunda mulher a se diplomar em Medicina na América do Sul, um ano depois da chilena Eloísa Diaz Inzunza. Uma figura que vale a pena evocar inclusive como homenagem antecipada ao Dia da Mulher.


Não dá para fugir ao lugar-comum: a vida de Rita Lobato daria um romance. Nascida (1866) numa terra de gente valorosa, a cidade de Rio Grande, Rita, com o apoio dos pais, decidiu romper com os tabus da época e matriculou-se primeiramente na Faculdade de Medicina do Rio Janeiro. O irmão mais moço, que também no Rio cursava Farmácia, teve problemas com professores. Solidária com ele, Rita resolveu transferir-se para Salvador. A faculdade completava então 80 anos e nunca tinha admitido uma mulher. Os preconceitos não eram poucos: Rita só podia assistir às aulas de anatomia, essa ciência "imoral", acompanhada de uma senhora de boa reputação (fico pensando no que essa pobre mulher deve ter sofrido assistindo às dissecções dos cadáveres). Excelente aluna, concluiu a Faculdade em tempo recorde (quatro anos em vez de seis). Durante o curso, faleceu - de parto – sua mãe. No leito de morte, Rita prometeu-lhe que, em suas mãos de médica, ninguém morreria assim. Não por acaso, sua dissertação de conclusão teve como título Paralelo entre os Métodos Preconizados na Cesariana. Mais uma vez, pagou um preço pela opção: o tema era considerado "inapropriado", e Rita foi muito criticada por isso.


Dois anos depois da formatura, Rita se casou com o gaúcho Antônio Maria Amaro de Freitas, namorado de infância; tiveram uma filha, Ísis. Rita clinicou primeiro em Jaguarão e depois em Rio Pardo. Era uma médica generosa, sempre pronta a atender chamados e fornecendo gratuitamente medicamentos aos carentes. Perto dos 60 anos, e viúva, encerrou a atividade profissional, doou seus instrumentos de trabalho ao hospital local e ingressou na política. Já septuagenária, foi eleita vereadora pelo Partido Libertador de Rio Pardo, mas sua carreira terminou com o Estado Novo, em 1937. Faleceu em 1954, com quase 90 anos.


As aulas estão recomeçando, e, nas faculdades de Medicina, vários calouros preparam-se para uma profissão que é tão dura quanto admirável. O número de estudantes do sexo feminino é grande, provavelmente chegando a 50% dos matriculados. Ou seja: os preconceitos que Rita Lobato enfrentou são coisa do passado. O nosso país avançou. E avançou, vamos deixar claro, graças a pessoas corajosas como a doutora Rita Lobato.


Zero Hora (RS) 2/3/2008