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Luva de pelica

 

A decisão da Corte de Apelação de Bolonha, na Itália, de não extraditar o ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, foragido depois de condenado a 12 anos e 7 meses no processo do mensalão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato, foi um tapa de luva de pelica ( ainda se usa isso?) no governo brasileiro, que em 2009 recusou-se a extraditar o ex-terrorista italiano Cesare Battisti, que estava foragido há 26 anos, foi um dos chefes da organização de extrema-esquerda PAC (Proletários Armados pelo Comunismo) e condenado à prisão perpétua na Itália por quatro assassinatos.

A diferença das duas decisões é que os juízes italianos tinham uma razão verdadeira para não atender ao pedido do governo brasileiro de extradição de Pizzolato, e o governo brasileiro se baseou em uma visão ideológica para conceder refúgio ao militante esquerdista italiano. De qualquer maneira, Pizzolato ficar na Itália serve ao governo brasileiro, garante o silêncio de um dos membros do mensalão que já demonstrou não ter a firmeza ideológica para manter o pacto mafioso de não delação.

Com dupla cidadania, Pizzolato fugiu para a Itália antes do fim do julgamento, quando estava claro que seria condenado, e foi preso em fevereiro de 2013 em Maranello, com documentos falsos de um irmão já falecido. Embora a Procuradoria-Geral da República e o Supremo Tribunal Federal tenham garantido, os juízes italianos não se convenceram de que os presídios brasileiros dariam segurança a ele.

Além das fotos que viram sobre a superpopulação carcerária, os juízes italianos devem ter sido informados da já famosa definição do ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, justamente o responsável pelo sistema carcerário brasileiro: “os presídios no Brasil ainda são medievais. E as condições dentro dos presídios brasileiros ainda precisam ser muito melhoradas. Entre passar anos num presídio do Brasil e perder a vida, talvez eu preferisse perder a vida, porque não há nada mais degradante para um ser humano do que ser violado em seus direitos humano, disse Cardozo na ocasião, que se referiu ainda à vida nas cadeias, de acordo com os jornais da época, como “desrespeitosa”, “degradante” e “não dignificante”.

Pizzolato ficaria preso no Presídio da Papuda, no Distrito Federal, caso fosse extraditado, como ficaram o ex-ministro José Dirceu e outros. O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou a decisão da Justiça italiana “uma vergonha” para os brasileiros, não pela negativa da extradição, mas por que é procedente o entendimento sobre a dignidade do preso no Brasil. “Ele exerceu o direito natural de não se submeter às condições animalescas das nossas penitenciárias.” analisou o ministro.

Já no caso de Cesare Battisti, o Supremo declarara nulo o ato do Ministério da Justiça dando refúgio a Battisti, considerando-o ilegal, pois, segundo o relator Cezar Peluzo, os crimes atribuídos a ele são "comuns, hediondos e não políticos". O governo, ao negar a extradição, alegou a possibilidade de perseguição política, que o Supremo não reconheceu.

Baseando-se no tratado de extradição, a Advocacia Geral da União (AGU) utilizou, para sustentar a decisão de manter Battisti no país, o seu artigo 3º, que diz que é suficiente o presidente ter "razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos antes mencionados".

Como escrevi na ocasião, não imagino que a Justiça da Itália não seja independente do governo, e não creio que uma democracia tão sólida pudesse perseguir um preso político sem que outros poderes protestassem, e até mesmo a imprensa livre. Além do mais, há um consenso na Itália sobre as medidas adotadas durante o período de combate ao terrorismo, dentro de um sistema democrático que o terrorismo queria destruir, medidas aprovadas pelo Congresso.

E não vejo como um ministro do Brasil possa revogar uma decisão soberana de uma justiça de um país democrático. Seria totalmente diferente se essas medidas tivessem sido tomadas em um período ditatorial. Não corresponde à "soberania brasileira" avaliar decisões do Poder Judiciário de um país democrático. Para um governo que considerava que a Venezuela tem democracia demais, achar que a Itália tem democracia de menos faz sentido.

Pizzolato seguirá na Itália, livre, leve e solto, podendo usufruir dos recursos que lhe permitiram comprar, pelo que se sabe, pelo menos três apartamentos na Europa e recebendo a aposentadoria do Banco do Brasil que corresponde hoje a 8 mil euros mensais.

O Globo, 29/10/2014