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Lula se impõe

 

O presidente Lula, ao impor sua autoridade na demissão do comandante do Exército, Júlio Cesar de Arruda, foi ajudado pelo voluntarismo do ex-presidente Bolsonaro em relação ao que chamava de 'meu Exército'. Notificado de que seria demitido, o comandante Arruda convocou o Alto Comando do Exército para queixar-se da decisão do presidente Lula. Não encontrou respaldo nos generais, que alegaram, entre outras coisas, que o ex-presidente Bolsonaro demitiu de uma só vezo ministro da Defesa e os três Comandantes das Forças Armadas, e não houve nenhuma reação.

A razão pela qual Bolsonaro demitiu os militares era até mesmo menos relevante que as razões de Lula agora. Naquela ocasião, Bolsonaro queria a adesão dos comandantes militares à suas ações políticas, e não aceitou que se pusessem em atitude neutra, profissional. Agora, ao contrário, o comandante Arruda negou-se a cumprir determinação do presidente, constitucionalmente comandante-em-chefe das Forças Armadas.

Arruda foi escolhido por ser o mais antigo do Exército, o que, em situação normal, é uma decisão que atende ao respeito à hierarquia. O momento, no entanto, é outro, especialmente depois dos atos golpistas de 8 de janeiro. Arruda é o mais bolsonarista entre os mais antigos, embora tenha discursado há dias defendendo o respeito ao resultado das urnas. Mas ele demonstrava não se adequar ao novo governo, sentia-se claramente incomodado.

Quando lhe pediam rigor nas investigações, dizia que era preciso ser cauteloso. Quando a Polícia Militar do Distrito Federal tentou desmontar o acampamento em frente ao Quartel-General do Exército, ele impediu, alegando que seria preciso antes preparar o ambiente para que a desmobilização dos bolsonaristas não fosse tumultuada. Foi de lá que saíram as orientações para o atentado ao aeroporto de Brasília e a invasão da Praça dos Três Poderes no dia 8.

Ele também se recusou a retirar do comando de um batalhão em Goiânia o homem de confiança de Bolsonaro, seu ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid. Além de não ser razoável que um homem tão ligado ao ex-presidente comandasse um batalhão, havia uma necessidade imediata: o tenente-coronel Cid está sendo investigado por esquemas de lavagem de dinheiro dentro do Palácio do Planalto. Há investigações que indicam que ele usava o cartão corporativo da Presidência para pagar em dinheiro despesas pessoais de Bolsonaro e de sua mulher, Michelle, que tinha até mesmo cartão de crédito pessoal coberto por esses saques.

O tenente-coronel Cid, filho de um general que estudou com Bolsonaro no tempo de militar, também coordenava, segundo as apurações, um esquema com militares de várias partes do país para validar gastos do cartão corporativo que seriam desviados para uso pessoal da família do presidente. Embora as apurações ainda estejam em sigilo, parte delas foi divulgada nos últimos dias pelo site Metrópoles.

O comandante Arruda alegou que não poderia realocar o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro antes da conclusão do inquérito. Alegava que não tinha força para tomar tal atitude, insinuando que seria mal recebida no meio militar. Todos esses fatos fizeram com que sua permanência no cargo fosse inviabilizada.

O novo comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, era o preferido de vários assessores de Lula envolvidos na escolha, mas nomear o mais antigo pareceu ser o mais recomendado para a ocasião. Enquanto o antigo comandante não tinha mesmo liderança, O novo tem, e ao falar abertamente sobre a situação tumultuada dentro do Exército depois da eleição de Lula, defendendo o respeito ao resultado das urnas, colocou-se como alternativa legalista. O futuro comandante do Exército é ligado ao general Villas Bôas -proximidade que pesou contra ele no primeiro momento - e foi ajudante de ordens do então presidente Fernando Henrique Cardoso, a quem visita com frequência.

Notificado de que seria demitido, Arruda convocou o Alto Comando do Exército para queixar-se da decisão, mas não encontrou respaldo.

O Globo, 22/01/2023