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Lula enfezado

 

O desassombro com que o presidente Lula se referiu aos organizadores do Agrishow de Ribeirão Preto como 'fascistas' e 'maus-caracteres', é demonstrativo do seu estado de espírito, enfezado, agressivo e ressentido com 'as elites'. E permite que seja chamado de 'senil', como fez um vereador da região.

Quando tinha poder para controlar as crises com sua oratória, ao mesmo tempo que levava a massa para onde queria, tudo ia bem para Lula, que se convenceu de que era 'o cara' quando o então presidente Barack Obama assim o aclamou em uma reunião internacional de líderes. Com o surgimento dos escândalos de corrupção, Obama arrependeu-se.

O encanto de Lula foi suficiente para terminar o segundo mandato com 80% de aprovação e eleger Dilma presidente da República. Mas, a partir do fracasso de sua criatura, ea escalada da Operação Lava-Jato, Lula entrou para o rol dos humanos, e seus defeitos de repente começaram a pesar.

Sua sorte é que o governo Bolsonaro foi tão desastroso que até conseguiu encobrir êxitos que agora aparecem, para desespero do ex-ministro da Economia Paulo Guedes, que faz impulsionamentos em massa pelo WhatsApp para divulgar alguns feitos que ficaram encobertos pela oratória golpista vulgar de seu chefe.

Como Guedes aceitou permanecer no governo até o final, avalizando com seu silêncio os desvios éticos e legais de Bolsonaro, não conseguiu usufruir de alguns sucessos inequívocos, como a redução da desigualdade, o crescimento do emprego, uma política fiscal que visava ao equilíbrio, mesmo que o presidente Bolsonaro tenha quebrado várias vezes o teto de gastos com objetivos eleitorais.

A falha de Guedes foi não ter exteriorizado uma desaprovação, preferiu manter-se fiel ao governo. Roberto Campos Neto teve mais sorte com a aprovação em 2021 da independência do Banco Central. Pôde assim aumentar os juros em plena campanha eleitoral sem sofrer pressão do presidente da República, que o havia nomeado.

Não se ouviu do então candidato da oposição, o hoje presidente Lula, um pio contra o aumento dos juros naquela ocasião, diferentemente do que faz hoje.

Como se Campos Neto estivesse agindo não dentro de suas atribuições para controlar a inflação, mas como um quinta-coluna bolsonarista para prejudicar seu governo. É a mesma tática usada ao acusar Fernando Henrique de tê-lo deixado uma 'herança maldita' quando assumiu em 2003. Não sabia o que o esperava 20 anos depois, embora a 'herança maldita' seja sobretudo devido ao desarranjo das estruturas republicanas.

O que Bolsonaro fez de grave foi desmoralizar as instituições nacionais, desde o Supremo até a vacina contra a Covid, governar com o objetivo de golpear a democracia, permanecendo no comando do país através de um autogolpe que tramava desde o primeiro minuto de sua campanha presidencial. Hoje está claro que a candidatura Bolsonaro foi urdida por um grupo das Forças Armadas com o objetivo de levá-las novamente ao poder, para reabilitá-las, e exercer o poder sem contestações.

Quando Bolsonaro agradeceu de público ao general VilasBoas ter chegado à presidência da República, e prometeu que nunca revelaria o que conversaram durante a campanha, estava dando um recado aos militares, de que havia na sua eleição mais que uma vitória eleitoral, mas a de um pensamento militar que seria recuperado.

Não deu certo, e a sublevação insuflada em 8 de janeiro ajudou a fortalecer a democracia e, sobretudo, a que os verdadeiros militares profissionais reassumissem as rédeas das Forças Armadas. É sintomático que o caso do tenente-coronel Mauro Cid, envolvido em várias das transgressões legais de Bolsonaro, tenha sido compreendido pela cúpula militar como o que realmente foi: crimes que nada têm a ver com os militares.

O presidente do Supremo Tribunal Militar, tenente-brigadeiro Joseli Parente Camelo, foi peremptório ao afirmar que o caso 'nada tem a ver com os militares ou com a Justiça Militar'. Seria preciso que Lula colaborasse para o a paziguamento dos ânimos, para que o país possa recuperar sua energia, consumida há anos nessa disputa de 'nós contra eles'.

"A partir do fracasso de sua criatura e a escalada da Operação Lava-Jato, Lula entrou para o rol dos humanos".

O Globo, 14/05/2023