Este 18 de outubro, Dia do Médico, permite que se faça uma reflexão acerca da imagem do médico para o público em geral. Afinal, a data homenageia uma figura que, aparentemente, goza do respeito e da admiração do público. Mas será que sempre foi assim? E será que continua sendo assim?
A resposta mais provavelmente é negativa, mesmo porque os médicos nem sempre ocuparam esse lugar destacado. No Antigo Testamento médicos aparecem raramente. No melancólico Jeremias há uma metafórica, e desanimada, alusão aos médicos. E o rei Asa, portador de uma séria enfermidade dos pés, morre por ter consultado médicos ao invés de recorrer ao Senhor. Na Roma antiga os médicos frequentemente eram escravos. Molière, em suas peças, vê os doutores como charlatães enganadores, e também assim Bernard Shaw em O Dilema do Médico. Em O Alienista Machado de Assis vai ainda mais longe, descrevendo um médico que é um tirano alucinado.
Mas quando a medicina incorpora o método científico e passa realmente a curar enfermidades a coisa muda, e surge uma visão heroica da profissão. Em livros como A Cidadela, do escocês A.J. Cronin, e Olhai os Lírios do Campo, de Erico Verissimo, que levaram muitos jovens de minha geração à Faculdade de Medicina, o médico é um personagem generoso, que enfrenta bravamente não só as doenças como os erros e a má-fé da sociedade.
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Agora temos de novo uma mudança. Mostra-o esta curiosa figura que é o dr. Gregory House, da série House. Interpretado por Hugh Laurie, House é um gênio do diagnóstico, mas um homem cínico, sarcástico, perturbado até; um médico que não mostra muita simpatia para com os pacientes. O personagem é parcialmente inspirado em Sherlock Holmes, o detetive ficcional criado, no final do século 19, por Sir Arthur Conan Doyle. Conan Doyle era médico, e, por sua vez, inspirou-se num famoso cirurgião de Edimburgo, o dr. Joseph Bell (1837-1911), com quem trabalhou.
Bell era capaz de fazer diagnósticos, ou de deduzir coisas acerca de seus pacientes antes mesmo que eles falassem. Mas Bell ficava contrariado quando lhe falavam de Sherlock Holmes, assim como muitos médicos devem ficar contrariados vendo o dr. House na tevê. Com razão. A medicina não é apenas conhecimento, inteligência ou domínio da técnica; a medicina implica uma relação especial entre pessoas. Recuperar esta relação é uma coisa que o dr. House precisa urgentemente fazer.
Zero Hora (RS), 17/10/2009