A unanimidade com que foi acatada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) a decisão do ministro Flávio Dino de suspender as emendas parlamentares — até que sejam definidos parâmetros de transparência que permitam à sociedade saber para onde está indo o dinheiro e com que fim — demonstra que o abuso econômico prevalece nessas decisões do Congresso.
O mais grave, porém, é saber que a medida drástica foi tomada depois que parlamentares foram informalmente avisados em diversas ocasiões de que o Supremo era informado por vários setores de que a distribuição de emendas alimenta potenciais escândalos que logo se tornarão públicos, tamanho o volume dos desvios das verbas.
Os demais órgãos de fiscalização, como Tribunal de Contas da União, Advocacia-Geral da União ou Controladoria-Geral da União, também receberam relatos sobre frequentes distorções, especialmente agora, tempo de eleições municipais. Prefeitos e parlamentares são acusados de estar mancomunados em desvios de verbas para financiar campanhas eleitorais, apesar dos fundos partidários bilionários de que os partidos já dispõem.
A questão das emendas parlamentares sempre foi um problema na relação do Executivo com o Legislativo. Em uma década, alterou-se completamente a balança de poder entre os dois. Quando as emendas não eram impositivas, os governos as usavam como moeda de troca na negociação com os parlamentares, o que os colocava em posição de inferioridade. Cada projeto importante para o governo era imposto ao Congresso à custa de liberação de verbas de interesse dos votantes no Parlamento. Depois, o contingenciamento servia de trava quando o governo central não podia, ou não queria, pagar aquela verba empenhada a favor deste ou daquele deputado ou senador.
A partir de 2015, quando o Congresso se aproveitou do governo enfraquecido de Dilma Rousseff, às vésperas do impeachment, as emendas começaram a ser impositivas. Primeiro as individuais, depois as de bancada, até que Bolsonaro entregou praticamente a execução de todo o Orçamento nas mãos do Congresso, enquanto conspirava para dar um golpe de Estado. Os parlamentares, que costumavam levar “chá de cadeira” nas antessalas dos ministros, passaram a não atender os ministros, que perambulam por seus gabinetes para negociar liberação de verbas.
Ao assumir seu terceiro mandato presidencial, Lula, que na campanha criticara duramente o orçamento secreto em vigor durante o mandato de Bolsonaro, precisou negociar com o Congresso uma verba extraordinária, alegando que recebeu o governo quebrado. Ganhou do Congresso R$ 145 bilhões fora do teto de gastos que vigorava na época, para dar início ao governo. Como o orçamento secreto fora proibido pelo Supremo como inconstitucional, Lula passou a negociar com os parlamentares verbas e foi derrotado em diversas votações nessa disputa.
A liberação das emendas foi sendo negociada, boa parte do orçamento secreto foi paga por meio de outros mecanismos, até que o Congresso encontrou uma solução para ganhar novamente autonomia na distribuição de verbas, as “emendas Pix”, endereçadas diretamente aos prefeitos sem que se saiba por quem nem para que fim, sem controle formal. A exigência do Supremo é quanto a “transparência, rastreabilidade e eficiência” das emendas parlamentares.
A reação previsível dos parlamentares veio vários tons acima. Aceleraram Propostas de Emenda à Constituição (PECs) restringindo as decisões monocráticas dos ministros e permitindo que o Congresso rejeite decisões do Supremo, além de cortarem verbas do Judiciário. Chegou-se a um ponto em que é necessário haver uma negociação para que a crise institucional prevista não inviabilize a democracia brasileira.