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Hora da definição

 

O Supremo Tribunal Federal entra hoje na parte mais delicada do julgamento do mensalão, quando serão analisadas as participações do núcleo de comando petista na compra de apoio político no Congresso. Chegou a hora de definir se o ex-ministro José Dirceu foi mesmo o “chefe da quadrilha”, como acusa o Procurador-Geral da República, e qual o papel dos demais integrantes do núcleo, o ex-presidente do PT na ocasião, José Genoino, e o ex-tesoureiro Delúbio Soares.

O quarto membro da “quadrilha” era o secretário-geral Silvinho Pereira, que preferiu fazer um acordo a ser julgado. Hoje paga em serviços comunitários suas dívidas, mas não se submete ao julgamento do Supremo nem corre o risco de ir para a cadeia.

A parte mais grave politicamente já foi superada pelo Supremo que, por ampla maioria, definiu que houve sim desvio de dinheiro público o que já invalidava a tese do caixa 2 eleitoral pois, conforme lembrou o presidente do STF, ministro Ayres Britto, não pode haver caixa 2 com dinheiro público e que o dinheiro desviado serviu para comprar apoios dentro do Congresso no primeiro governo Lula. O próprio presidente do Supremo ao dar seu voto na segunda-feira, fez uma análise de como um juiz pode chegar a uma decisão final em casos como esses, rebatendo as críticas de que o Supremo está inovando em sua jurisprudência neste julgamento. Com a palavra Ayres Britto:

“Somente se chega ao conjunto da obra delituosa pela autopsia ou reconstrução dos fatos, gradativamente analisados. Só depois de obtido o visual do infragmentado, que o juiz faz o caminho de volta (...). Mais que isso, esse vai e vem analítico é que permite a conclusão que determinada ação humana ou omissão apenas faz sentido dentro de um contexto, um cenário, um panorama, enfim”.

“Parafraseando Eugênio Floriano, é dentro de um quadro geral de investigação que o resultado particular pode ganhar um significado distinto daquele que seria dado por efeito de um caso analisado. Este é, em linhas gerais, o substrato factual jurídico ou o pano de fundo empírico-normativo da presente ação penal (...) Os fatos aconteceram de modo entrelaçado com a maior parte dos réus (...).

“(...) Prova direta, válida e obtida em juízo. Prova indireta ou indiciária ou circunstancial, colhida em inquéritos policiais, parlamentares e em processos administrativos abertos e concluídos em outros poderes públicos, como Instituto Nacional de Criminalística e o Banco Central da República”.

“Provas circunstanciais indiretas, porém, conectadas com as provas diretas. Seja como for, provas que foram paulatinamente conectadas, operando o órgão do Ministério Público, pelo mais rigoroso método de indução, que não é outro senão o itinerário mental que vai do particular para o geral. Ou do infragmentado para o fragmentado”.

Chega agora o momento apropriado para definir quem comprou esses votos, e não há muito que discutir sobre a atuação de Delubio Soares juntamente com Marcos Valério, já amplamente debatida nos itens anteriores. O que é preciso saber é até onde vai a cadeia de comando, pois é evidente que o ex-tesoureiro não tem capacidade de engendrar uma ação tão sofisticada quanto a que foi posta em prática, nem tinha poder político para assumir o desvio público de dinheiro em diversas áreas governamentais. O Procurador-Geral da República indica José Dirceu como o homem por trás dos fatos, ou aquele que detinha o “controle final do fato”, isto é, quem tinha o poder de parar a ação ou autorizar sua concretização.

Costumava-se dizer que não há nos autos nenhuma prova concreta contra Dirceu, e, portanto, dificilmente ele seria condenado. Com dois meses de julgamento, estamos vendo que as provas testemunhais e indiciárias ganharam importância dentro desse processo, e o procurador-geral Roberto Gurgel afirma que há provas em profusão contra o ex-ministro petista.

Há testemunhas de que ele é quem realmente mandava no PT naquela ocasião; que a reunião em Lisboa com a Portugal Telecom com Marcos Valério e um representante do PTB foi organizada por ele; há indícios claros da relação de Dirceu com os Bancos Rural e BMG, desde encontros com a presidente do Rural Kátia Abreu, intermediados por Marcos Valério, até o emprego dado a sua ex-mulher no BMG e o empréstimo para a compra de um apartamento, que foi comprado por Rogério Tolentino, advogado de Marcos Valério e também condenado no processo.

Seguindo esse raciocínio, o relator Joaquim Barbosa deve centrar seu voto na culpabilidade de Dirceu e Delubio Soares, e pode pedir uma pena menor para José Genoino, alegando que ele era apenas o presidente de fachada, pois quem mandava mesmo no PT era José Dirceu.

O Globo, 3/10/2012