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Guerra sem fim

 

A reforma tributária fatiada que o governo federal havia se disposto a fazer para dar fim à guerra fiscal, começando com a harmonização do ICMS, trazendo gradativamente a alíquota interestadual de um máximo de 12% para 4%, entra no final do ano em regime de urgência, mas aparentemente sem a possibilidade de uma decisão satisfatória.

Da parte dos Estados, houve uma surpreendente aproximação da maioria deles, mas com a persistente dissidência de Ceará, Goiás e Santa Catarina, que querem continuar podendo dar incentivos fiscais. Da parte do governo, há uma percepção de que as compensações financeiras oferecidas inicialmente para um acordo passaram a ser onerosas demais para a situação fiscal atual, e por isso agora estaria incentivando as dissidências para que não se chegue a um acordo.

Um componente que surpreendeu favoravelmente nas negociações foi a postura de São Paulo, cedendo tudo para acabar com a guerra fiscal logo e reformar o ICMS. Seus representantes aceitaram perdoar o passado, revogar as multas que aplicaram, dar crédito para empresas, até mesmo no caso do comércio eletrônico, último ponto em que resistiam, negociam uma solução intermediária. Essa postura levou a acordos surpreendentes, permitindo que São Paulo e Amazonas, que sempre brigaram pela Zona Franca, chegassem a um meio termo; que São Paulo e Mato Grosso do Sul, que sempre brigaram pelo gás da Bolívia, fizessem o mesmo.

O mais intransigente mesmo é o Ceará - e a leitura geral é que o faz a pedido da presidente Dilma, como uma das contas do acordo com irmãos Gomes na ida ao PROS. 

Quem pressiona para que se encontre uma saída são as empresas que receberam incentivos fiscais que o STF decidiu serem inconstitucionais, já que foram dados sem autorização do Confaz, conselho que reúne os secretários de Fazenda dos estados e cujas decisões têm que ser unânimes.

O grande empresariado (multis, montadoras, etc.) tem urgência em regularizar os incentivos passados. Se não sair a reforma, terão que lançar nos seus balanços as multas que tomaram por receber incentivos ilegais. 

Outro componente dessa equação é o ex-presidente Lula, que também está em campo, conversando com empresariado. Em posição radicalmente oposta à de Dilma, ele costura um acordo para a reforma, entendendo que essa insegurança jurídica tem poder de interferir nos investimentos estrangeiros no país.

Para resolver o problema dos Estados que vão perder o direito de dar incentivos fiscais, o governo propôs - e agora se arrependeu - criar um Fundo de Compensação de Receitas constituído com recursos da União colocados no Orçamento, num montante calculado entre R$ 250 e 500 bilhões em 20 anos.

Uma demonstração de que o governo recuou foi a última reunião virtual do Confaz, quando o Ministério da Fazenda tentou dar um golpe e em vez de colocar em votação o texto do pré-acordo dos 24 estados, apresentou outro de sua lavra.

No final, levou um contragolpe, pois a maioria dos Estados apresentou um substitutivo e a Fazenda, para não sofrer a primeira derrota na história do Conselho, suspendeu a reunião com uma alegação formal qualquer.

Nada disso estava no radar do governo federal. E agora ele está numa sinuca de bico - foi ele que propôs a reforma e ofereceu os bilhões de reais como compensação, para os Estados em troca de aprovarem a reforma. Como o governo federal vai negar o que já ofereceu, por escrito? Se o Congresso aprovar o que ele propôs, a presidente Dilma vetará? 

Um último componente chave que foge do controle do governo é que, embora essa reforma exija 3 ou 4 mudanças legislativas diferentes, a mais importante é a Resolução do Senado que mudará as alíquotas. Há maioria para aprovar, se houver acordo entre os Estados, e resolução não vai a veto presidencial. Se o Senado baixar as alíquotas, o governo federal vai negar, especialmente aos estados aliados, a compensação pelas perdas e um Fundo de Desenvolvimento Regional que levou anos oferecendo como compensação? Se vetar, será que tal veto se sustenta no Congresso? 

O prazo do final do ano não existe em lei ou em tese, mas foi imposto pela necessidade: as empresas precisam de uma solução, e todos sabem que não se aprova reforma dessa envergadura em ano de eleição. (Amanhã, uma proposta do Movimento do Brasil Eficiente para evitar novos tributos)

 

 

O Globo, 9/11/2013